Crônicas de Pai para Filho - Motorista habilitado, porém, não habilidoso...
Uma vez, flagrei meu pai ensinando meu irmão a dirigir. Não fiquei com um pingo de ciúme ou inveja, pois pensei: "ele me ensinará, também, evidente".
Porém, o tempo passou, e nada de aulas de volante com meu pai. Ao que emendei outro pensamento: "pobre de meu pai, anda esquecido".
Eu era assim, arranjava as mais esfarrapadas desculpas para encobrir as faltas alheias, mas nunca encaixava desculpas em meu favor. Quando apontado em alguma falha, eu dava de ombros e tal qual Nelson Rodrigues dizia:
- Se os fatos estão contra mim, pior para os fatos...
Mas o fato concreto aqui, era que meu pai não me deu uma mísera aula de volante em toda a sua vida. E nem na minha, presumiria o mais desatento e eu concordaria.
Quando finalmente, com mais de 30 anos, resolvi finalmente me habilitar para dirigir, muito mais incentivado pela mais linda das esposas do que vontade própria, meu pai simplesmente deu de ombros, quando soube da notícia, e soltou um muxoxo labial ( pois outro não conheço ).
Pois bem, na auto-escola, me colocaram com uma instrutora mulher. Fosse eu um australopithecus, ficaria com os brios feridos por ser ensinado por uma mulher. Mas o que me deu arrepios mesmo, foi pensar na opinião da mais bela das esposas quando disso soubesse.
Quando a instrutora parou o carro diante de minha casa, empertiguei e assumi uma atitude aristocrática. A mais bela das esposas guardou um silêncio que disse tudo.
A pobre instrutora inadvertidamente iniciou as aulas. Por várias vezes coloquei nossas vidas em risco, e cometi os mais absurdos erros ao volante.
Em defesa da honra dos homens inseguros, creditei cada erro cometido na conta de minha instrutora. A cada repreensão dela ao mínimo equívoco que ameaçava nossa integridade física, eu lhe jogava à face o motivo do erro:
- Você não ensina direito! Está explicando errado!
Isso durou alguns dias. Até que ela acabou surtando e começou a gritar as ordens de uma forma assustadora e um brilho estranho nos olhos.
Não sei explicar como, mas seus gritos raivosos me fizeram acertar tudo que ela mandava, mas não me demoveu do direito de me manter em um silêncio reprovador.
Finalmente, ela disse acreditar que eu estava pronto para fazer os testes finais. E me encaminharam para o departamento de trânsito.
Após um teste psicológico, onde eu deveria descobrir se um rabo-de-cavalo pertencia a uma bicicleta, a um avião, a um bule de café ou ao próprio cavalo, me encaminharam para o exame médico. Próximo a mim, uma senhora chorava pois teria de voltar outro dia para realizar o exame novamente. Aparentemente, ela pensou que o rabo-de-cavalo pertencia ao bule de café.
No exame médico, o doutor mandou que eu lesse as letras em uma parede.
- República del Paraguay, Universidade Politécnica y Artística, Ley número...
Ao que ele interrompeu irritado e me disse que eram as letras na outra parede. Mas nem me deixou tentar, pois me deu um papel assinado e me mandou sair.
Estava aprovado para a prova prática.
O destino me reservou uma surpresa desagradável. A prova foi realizada com uma senhora extremamente educada e um rapaz que apenas sorria e balançava a cabeça. Errei miseravelmente tudo que mandaram fazer e fui reprovado com louvor. Ou no caso, sem louvor nenhum.
Quando entrei em casa e dei a notícia a mais linda das esposas, ela ingênua me perguntou o motivo da reprovação.
- Eram muito educados. - respondi.
Quinze dias depois estava eu ali novamente para outra prova prática. Antes da minha vez, alguns aprovados saíam virando calhambotas ( uma de minhas colegas de trabalho insiste em cambalhotas, mas eu já ouvi falar dos dois jeitos, e não virei nenhuma por causa das minhas gorduras ), e os reprovados saíam as lágrimas.
Quando fui chamado ao volante, sentou-se ao meu lado uma senhora tão feia, que chamá-la senhora era bondade minha. No banco atrás, um senhor meio surdo.
Ela me disse que poderia iniciar. Eu, porém, me ajeitei no banco, olhei nos olhos dela e pedi:
- Senhora, preciso que me faça um pequeno favor. Dê-me as ordens aos gritos.
- Como?
- Não tenho como lhe explicar, mas peço que faça a gentileza de gritar raivosamente as ordens. Por favor.
Os dois se olharam incrédulos, mas enfim, ela gritou como louca as ordens, e para surpresa de todos que viam passar um carro do departamento de trânsito com um casal gritando com o motorista, eu fui aprovado sem cometer o menor deslize.
Hoje, anos depois quando saio ao volante, a mais bela das esposas vai ao meu lado gritando desesperada, avisos e alertas variados.
Todos que andam conosco acabam por perguntar porque ela grita tanto comigo ao volante.
- É porque ela sabe que sou um motorista habilitado, porém, não sou habilidoso.
Estranhamente, meu pai nunca andou comigo ao volante. Até hoje não sei porque, ele recusava minhas caronas e preferia ir caminhando...