153 - Cento e Cinquenta e Três

Fardados éramos apenas um número. A roupa apagava as diferenças e não havia vontades individuais. Tudo funcionava em equipa e o pelotão era uma espécie de clube ou de casa que todos sentiam como coisa sua, especial e única. Vivia-se por dentro das regras, das particularidades do monitor, ao jeito social mais conveniente. Trocado o nome por uma espécie de matrícula, o José passou a ser o três do primeiro e o Manuel o vinte. A ousadia, a força, a irreverência ou, no pólo oposto, a ordem sentiam-se no colectivo. Para voltar a haver gente comum, despia-se a farda e voltávamos a ser jovens como os demais, responsáveis pelas nossas decisões, amedrontados pela individualidade, frágeis por termos desaprendido a estar na solidão da nossa própria pele. Os soldados que viveram e lutaram juntos nunca mais poderão esquecer que eram uma família, tecida de medos parecidos e angústias próximas, de heroísmos. Voltar à vida anterior nunca foi possível.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 26/01/2020
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