Gato triste

No princípio era o leite. Não se sabia o porquê, mas toda vez que lhe davam leite ficava sonolento, apático, inativo. Levaram-no ao veterinário e descobriu-se que sofria de intolerância à lactose, volumosa no leite. Retiraram o leite de sua dieta, mas a sonolência, a apatia, a inatividade permaneceram — e então a família ficou toda preocupada. Toda a família perguntava-se por qual razão ele estava todo interior, recôndito; alheio ao telhado da casa, às perseguições domésticas a lagartixas e a outros animais rastejantes.

Um gato tão afetivo, brincalhão, atleta, de repente aparecer com modos inéditos, apático, assustadiço, alguma coisa de grave, imaginaram seus familiares, estava acontecendo com o felino. Não desacreditaram do diagnóstico médico, porém suspeitaram de que a lactose não fosse a única responsável pela mudança no comportamento do gato, agora triste, apático, inativo. Decidiram procurar uma segunda opinião, que veio junto a um novo diagnóstico: o gato da família, além de intolerância à lactose, sofria de depressão.

Os familiares do gato triste, de início, ficaram incrédulos. Não imaginavam que gato também, assim como os racionais, sofresse depressão, que sequer a tinham como doença. Já tinham ouvido falar que é um padecimento em ascensão, o que mais cresce no mundo atualmente, ganhando até das viroses e gripes aviárias e terrestres. Mas jamais supunham que atingisse gatos, ainda mais um de uma família de classe média, com todo conforto que o homem e o dinheiro podem proporcionar. Agora, porém, que o gato triste rejeita carinho, parou de subir no telhado, de miar e rendeu-se à solidão de seu quarto, seus familiares já não duvidam de que o gato da família não esteja apenas triste; acreditam que esteja depressivo.

Se antes, diante de um pedido negado, o mau humor era passageiro, hoje é permanente. Não pede mais para ir com a família visitar o cinema, os parentes felinos distantes, passear pelas praças. Fica em casa, a descumprir seu itinerário felino, o qual prever aceitar carícias, subir telhados, caçar lagartixas. "Toda uma vida voltada à diversão alheia. Chega uma hora que cansa; chega uma hora que basta. Chega a hora do não.", pensa o gato triste na vastidão de uma manhã de domingo sobre um sofá de uma família de classe média.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 26/01/2020
Reeditado em 26/01/2020
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