APANHADORES NO CAMPO DE CENTEIO
Foi ontem a caminho do trabalho que vi um sujeito cruzar o meu caminho. Possivelmente também estava defendendo o pão de cada dia. Alto, metro e setenta, metro e setenta e cinco mais ou menos, vestia uma calça cáqui e blazer azul marinho. Eu tamborilava os dedos no volante enquanto esperava o sinal abrir. Foi então que ele passou. E aqui, peço a quem estiver lendo que imagine uma cena em que as pessoas se movam em câmera lenta, pois é exatamente isso que acontece quando um sujeito que não se vê a um tempão passa bem pertinho da gente. Quando passou, virou o rosto para me olhar, esboçou um sorriso deixando transparecer a borda de uma cicatriz derreada no canto da boca. Não havia dúvida! Era ele. No duro, era mesmo. Há alguns anos atrás recebi um chamado. Havia um adolescente e condição de rua, dormindo sob a lona de ambulantes nas imediações do Terminal Rodoviário de minha cidade. Encontrei um garoto negro, todo sujo, e com um cheiro miserável de urina. No duro, cheirava mesmo. Alguns instantes de conversa e o persuadi a ir até nossa sede, onde a Conselheira Edna compartilhou sua refeição com ele. Pra dizer a verdade, ele estava morrendo de fome. Estava mesmo. Nós deliberamos que deveria ser encaminhado a uma instituição. E foi o que aconteceu. Com apoio do corpo técnico do abrigo, tirou carteira de identidade, engajou-se no programa de aprendizado em uma empresa da cidade, agendou consultas e fez uma cirurgia para correção de uma fissura labial. Um pequeno passo para um garoto, um grande salto para a cidadania. Bons tempos aqueles. Éramos por excelência, “Apanhadores no Campo de Centeio”. No duro, éramos mesmo.
Jadilson de Aquino. 12/07/2017