Infância Roubada
Não fosse o nome ser tão belo e santo, sobrariam suas tranças
negras alargando-se em brados, debruçadas na janela. Uma bela mulher irada confusa, entre a malha apertada, mal suspiram seus olhos‘a procura de confusões noturnamente.
Dois cães, um gato e o lençol bordado, em seu varal esperam...
Aguardam pelo grito mais altivo de sua dona “ladrão !”
Ana Mariana possui antecedentes; seu avô, dizem, era “o louco
João“,homem bravo de faca na bota. Se pai não menos estranho, jamais instalou uma torneira na casa, bebiam água do poço, a roupa lavada em baldes. Na casa não havia privada. Ana e suas irmãs tomavam banho eventualmente; quando uma generosa vizinha as pegava pela mão, levava-as ‘a sua bela banheira, escova-lhes as tranças, desembaraçava-lhes remelas, colocava-lhes fita no cabelo e, por uma semana, Ana e suas irmãs , sentiam-se mais gente, menos roubadas pela vida, vestidas de dignidade !
Um cheiro forte de urina invade o corredor do apartamento, onde vive hoje Ana “ a louca Mariana “ à espera o ladrão que não vem...
Certa vez jogou um pela janela, diz gabando-se e, passou a vigiar a rua.
Noite e dia varre a poeira das lembranças triste de sua infância.
Pelo mar ressequido dos seus lábios de grito estreito, ouve-se nas noites o lamento dos sonhos encardidos , roubados , espatifados .
Ana Mariana espera, espera pegar em flagrante o ladrão, alguém para punir e, quem sabe sarar...
Virgínia Fulber 2005 publicado anteriormente in http://www.vaniadiniz.pro.br/virginia_fulber/