Revivendo o menino da roça que sempre fui

Olho, da janela da cozinha, os raios de sol que, dourados, refletem na copa verde das árvores do meu quintal e dos quintais vizinhos. Um bem-te-vi solitário dá voos rasantes da cajazeira do meu quintal para a mangueira de um quintal vizinho, como a comemorar, a um tempo, o morrer do dia e o nascer da noite. Os grilos – ao que me parece, muitos grilos – cantam, estridulam. As cigarras, por incrível que pareça, hoje estão em silêncio. É o crepúsculo do dia 22 de janeiro de 2020, um entardecer com sol, a despeito de ser a época das chuvas e o inverno, timidamente, já vir há dias dando o ar de sua graça. Que beleza de entardecer!

 

No meu quintal, as galinhas improvisam poleiros, preparando-se para o pernoite. Um galo novo, que ganhei da minha irmã Raimunda, e a franga preta nascida aqui, da galinha que ganhei do Raimundo, um amigo, alçam voo e se abrigam no alto de uma das goiabeiras que deixei crescer. A galinha, com seus quatro pintinhos, um pouco mais distante, deita-se no ninho em que, faz pouco tempo, chocou os ovos da atual ninhada, enquanto o galo mais velho, que comprei na feira, empoleira-se sobre um pedaço de galho seco da cajazeira, debaixo da goiabeira em que estão o galo novo e a franga.

 

Apesar de estar na cidade, tudo se parece muito com a roça, no pequeno ambiente do meu quintal. Impossível não me lembrar dos meus pais! O sol vai morrendo rapidamente e desaparece o verde-ouro de poucos instantes atrás, que cede lugar ao escurecer natural da noite. Lembro-me de ir à porta da rua, para contemplar, como geralmente faço quase todos os dias nos quais nesta hora estou em casa, o pôr do sol no horizonte, onde, ao longe, o céu parece fundir-se com a terra. Recosto-me no portão – metálico, não é de madeira – e contemplo o céu cheio de nuvens, mistas de azul e cinza com faixas douradas, as quais, bem ao longe, anunciam que a noite chega.

 

A rua Maranhão, minha rua, está momentaneamente quase sem ninguém a lhe pisar o leito natural de rua de terra, sem asfalto e até com muitos buracos. Algumas pessoas – cansadas, por certo – voltam a pé do trabalho, encerrando a jornada de mais uma quarta-feira, enquanto algumas outras que, como eu, já estão em casa, postam-se às portas e calçadas, para ver a tarde. É a Hora do Ângelus crepuscular, conquanto, ao que me parece, muitos nos dias atuais já nem atentem para isso, pois a religiosidade já não é tão acentuada.

 

A noite chega. O céu já está azul-escuro e quase sem estrelas. Escureceu e apenas a luz da iluminação pública sobressai na imensidão que me cerca por todos os lados. É hora de me recolher. Entro em casa, com a intenção de escrever. Vou à geladeira, encho uma taça de vinho e sento-me à minha velha e querida mesa de mogno, na salinha de estudos, em meio aos livros, jornais e revistas, para, das velhas e surradas teclas do computador, retirar o texto da coluna. Sentei-me e escrevi. Está pronta a crônica. É-me impossível, esteja onde estiver, esquecer o menino da roça que eu sempre fui. Soli Deo gloria.