Sonhos eróticos e aranhas peludas
     A respeito do córrego, a semana inteira, ali era um lugar muito movimentado. Várias mulheres, adultas e jovens, inclusive, as  de nossa casa, vinham com suas enormes trouxas de roupas sujas para lavar. Havia, além do pródigo curso d’água, várias pedras para bater as roupas e, ainda, um extenso gramado, para estender a roupa lavada. Sem falar nas cercas de arame farpado, para colocá-la para secar.
     Com desculpa de pescaria, frequentemente, estávamos beirando as lavadeiras. Sempre aparecia alguma garota de nosso interesse, e era oportunidade de tecer  conversa e, até mesmo, acertar um sonhado encontro nas festas de barraquinha na igreja do bairro. Sem contar que, mesmo vestidas com bastante decência, a água, ao lhes molhar os vestidos, saias e blusas, deixavam mais explícitas as silhuetas, aguçando a imaginação de toda a  rapaziada que por ali passava ou perambulava.
     Normalmente, ficávamos em distância razoável, mais exatamente na saída da pequena ponte que atravessava o curso d’água, na estrada  da fazenda. Ficávamos ali, atentos a todos os movimentos, e era comum que tivéssemos que socorrer as lavadeiras quando uma peça de roupa, frequentemente as menores, escapava por debaixo da ponte e iam água afora.
     Dado o alarme, íamos prontamente, pulando na água e recuperando a peça extraviada. Às vezes, tínhamos de entrar debaixo da estreita ponte para realizar a tarefa. Mas sempre compensava, quando, missão cumprida, entregávamos nas mãos delas a roupa recuperada. O sorriso de agradecimento, sempre aquecia nossas esperanças de algo mais. Outra coisa que acendia muito nosso fogo eram as vezes em   a roupa pertencia a uma das próprias lavadeirinhas: vestido, saia, ou até uma peça mais íntima.
Pois uma vez, meu irmão acordou de madrugada e, do nada, chamou todo mundo do quarto e começou a contar um pesadelo que tivera. Não  era bem um pesadelo, mas um sonho muito estranho. E ele contou que sonhara estar em cima da ponte e havia três mocinhas lavando roupa. Todas três bem conhecidas nossas, sempre presentes em nossos planos de futuros namoros. Uma delas de saia verde, a outra de vestido amarelo e a terceira de roupa vermelha.
     Ele contava que estava até distraído vendo uns carás e sarapós na água limpinha, quando começaram a descer em fila várias peças de roupa, um vestido amarelo, uma saia vermelha e outra verde e, ainda, umas peças menores que ele não identificara exatamente, mas que supunha ser blusas ou mesmo alguma roupa de baixo. Já se preparava para pular na água, quando a intensa algazarra das três desviou a atenção dele. Elas, entre gargalhadas e gritos, jogavam água umas nas outras e estavam completamente nuas.
      Meu irmão contava que, lá no sonho dele, ficou tão surpreso, que não sabia se olhava para as garotas ou se pegava as roupas,  que desciam córrego abaixo. Nesse momento de indecisão, ele acabou acordando  e atrapalhando tudo.
     Alguém deu a sugestão de que voltasse a dormir, que talvez o sonho voltasse, mas meu pai já estava na porta do quarto e escutava atento o final da conversa.
     Percebendo que meu irmão ficara literalmente excitado com o sonho, determinou que ele se levantasse e fosse tomar um gole de água para se acalmar e que voltasse a dormir, que era muito cedo e, ainda, que, se possível, sonhasse algum sonho mais comportado.
     Durante o dia, um amigo nosso, já adulto, solteiro ainda, ficou sabendo do caso e comentou com meu pai que meu irmão estava já precisando fazer uma visitinha nas “comadres” para dar uma aliviada. Ademais, que essas coisas podiam ser perigosas e subirem para a cabeça.
     Esse amigo, num final de semana,  levou meu irmão clandestinamente nas ‘tias’, gerando veementes protestos de minha mãe, quando soube, muito depois, sobretudo pela  à tácita concordância de meu pai.
     Na verdade, as coisas não saíram do jeito previsto. O rapaz, assíduo visitante daquela casa suspeita, tinha arranjado um encontro de meu irmão com uma mulher sua velha conhecida e, segundo ele, muito jeitosa com os rapazotes imberbes e inexperientes. Mas foi tamanha a tensão, que o coitado acabou desistindo do encontro, quando já estava dentro do quarto em penumbra, com a mulher já preparada na cama para recebê-lo.
     Quando ela chamou-o para junto de si, encorajando-o a se despir também, ele, já numa tremedeira danada, viu uma espécie de abajur sobre o criado ao lado da cama e pegando-o aproximou-se da mulher, já surpresa a essa altura, e, direcionou o foco de luz para ela, justificando que queria apenas saber como era aquele negócio. Deu uma olhada rápida e colocou o abajur no lugar de volta, deixou o valor combinado numa mesinha ao lado da cama, agradeceu a dona e saiu esbaforido do quarto.
      O  amigo, que o esperava na sala ao lado, estranhou a rapidez e quis saber como foi, mas meu irmão, pálido, insistiu para que fossem logo embora dali.
     O resultado é que ele  ficou várias  semanas tendo pesadelo e com qualquer  sombra que aparecia no quarto, em penumbra, à noite, ele se alarmava pensando que era uma aranha peluda já armada para dar o bote. Com o tempo, aquele episódio foi sendo esquecido e, naturalmente, ele foi tomando jeito pela coisa e tudo seguiu dentro dos conformes. Até demais, no entender de minha mãe.
Fernando Antônio Belino
Enviado por Fernando Antônio Belino em 23/01/2020
Reeditado em 10/10/2020
Código do texto: T6848902
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