A visita da Mulher da Esteira

     E não é que um dia eu também tive minha experiência com essa tal Mulher da Esteira?
     Num domingo, à noite,  meu pai e minha mãe tinham ido para a igreja, assistirem à missa das sete, levando dois ou três de meus irmãos, deixando para mim e minha Irmã-mais-Velha a tarefa de ficar cuidando dos três menores e vigiar a casa enquanto eles estivessem fora.
     Tudo tranquilo, como sempre ocorria, os meninos brincando na sala, e minha irmã ocupada com seus estudos. Foi aí que bateu uma fome e resolvi fazer um mexidão. Quando  já preparava para quebrar dois ovos para fritá-los, minha irmã interveio e disse que aqueles ovos estavam reservados. Se  eu realmente quisesse fritar algum, teria de buscar no galinheiro, no fundo do quintal. Naquela hora, no maior breu? Falei para ela que ia fritar aqueles mesmo, mas ela, investida da autoridade que lhe fora conferida na saída de nossos pais, encerrou o assunto e recolheu os ovos, colocando-os de novo na vasilha de onde eu os tirara.
     Fiquei indignado com a atitude dela e desisti de fazer o mexido, que, sem os ovos, não teria a menor graça. Só  com farinha, arroz e feijão não dava. Fui para o quarto e comecei a xingar uns nomes bem cabeludos. Ela fazia de conta que nem escutava. Desgraça dos infernos, nem um mexido a gente pode fazer. Disgreta danada! Pelada! E ia por aí.  Ela  apenas advertiu-me de que contaria tudo para os pais, assim que  chegassem e tomara que tal Mulher da Esteira aparecesse para mim e eu parasse de ficar invocando o seu nome.
     Seguiram-se alguns momentos de sossego  e eu já havia parado com os xingamentos, quando o Leão latiu, denunciando presença de gente estranha na porta de casa. Minha irmã, de prontidão, interrompeu os estudos e pegou no colo o caçulinha de  um ano. Os  outros dois vieram para a barra da saia dela. Eu também me aproximei para ver o que era. O cachorro não parava, e,  em seguida, veio uma batida bem forte na porta, que era fechada por uma tramela. E uma voz lamuriante de mulher fez um pedido: Me deixa entrar! Me deixa entrar!
      Minha irmã, com a mão desocupada, segurava a tranca, enquanto escorava a porta com o próprio corpo, e eu tentando, pela pequena fresta, ver  quem era. E tive  uma visão apavorante. Uma mulher totalmente desconhecida, desgrenhada, rosto desfigurado, que num tom de desespero pedia: Me deixa entrar, filha, me deixa entrar!  E   forçava a porta,  tentando abri-la.
      Meus irmãos choramingavam e eu, aterrorizado, ajudava, como podia, a conter o ímpeto da mulher. Foram alguns minutos de terror, durante os quais ela continuava com o mesmo pedido: Me deixa entrar, Me deixa entrar.
De repente, como num passe de mágica, a voz silenciou e a mulher parou de forçar a porta. Ficamos alguns instantes, atônitos, atordoados, torcendo para que ela tivesse, de fato, ido embora e rogando a Deus que a turma chegasse rápido,  para dar segurança para nós.
     O cachorro, que o tempo todo ficara latindo desesperado, começou a ganir anunciando que alguém conhecido estava se aproximando. E não demorou para que  meu pai batesse  à  porta.
     Minha irmã, que  se mostrara valente, no enfrentamento da mulher misteriosa, desatou a chorar e foi abraçar-se com minha mãe, tentando explicar o que acontecera. A verdade é que os recém-chegados demoraram a entender o que se passava.
     Meu pai escutou tudo sem se alterar, como de costume,  e, assim que apurou todo o ocorrido, foi à gaveta do guarda-roupas e trouxe uma vela benta, que ficava guardada para as emergências. Para os casos  de algum perigo iminente, normalmente, chuvas bravas, com vento, raio e trovão. Acendeu a vela, aos pés de uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, num dos cantos da sala, chamou todo mundo e, de terço na mão, puxou a reza, exigindo que todos o acompanhassem, principalmente eu, que seria o principal responsável por todo aquele sobressalto vivido naquela noite de domingo.
      O certo é que eu rezei como nunca, cheio mesmo de entusiasmo e com a intenção de espantar para bem longe aquela terrível assombração. A partir daquele episódio, tomei mais cuidado com a língua e passei a evitar em meus  xingamentos os nomes que estivessem relacionados com aquela terrível entidade.
Fernando Antônio Belino
Enviado por Fernando Antônio Belino em 22/01/2020
Reeditado em 10/10/2020
Código do texto: T6848179
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