Memórias sem ponto e sem nó - A cola escondida nos seios


     Falando de novo sobre a  escola, houve uma época em que estudava em minha turma uma menina bem maior que todos nós. Andando pela casa dos 16 ou 17 anos, era loira, alta, espigada, já com um corpo bem definido. Era uma perdição para nós meninos da sala assistirmos aula ao lado daquela belezura toda. Não havia como  se concentrar nas matérias. E havia um professor de matemática, que vivia de implicância com a garota, talvez pelo sucesso que ela fazia, com os garotos da sala.
     E ela, por sinal, não era  nada boa em matemática. Andava  em apuros para fazer os exercícios e sobretudo as provas. Bastava que as coisas  apertassem um pouco, para que viesse até  um de nós, toda chorosa e cheirosa, pedindo ajuda.
     Usava blusas com decotes, não tão generosos como sonhávamos, é bem verdade, mas já era uma dádiva dos céus poder vislumbrar aquele começo de paraíso representado por um ípsilon bem desenhado. Deleite puro. E sem falar o perfume que rescendia dela. Coisa de deixar qualquer um maluco.
Certa vez, num dia de prova, ela olhou para mim, pedindo socorro numas equações que não conseguia resolver de jeito nenhum. Acenei que ficasse calma e  fui preparando, numa folha à parte, as respostas de que ela precisava. Sempre  usando métodos diferentes de solução em relação à minha própria prova. Dobrei a folha e esperei o momento mais oportuno para passar para ela.
     A princípio, o professor pareceu não ter desconfiado, mas, um tempo depois,  começou a circular pela sala e olhava, com muita insistência, para a mocinha, concentrada em copiar as respostas. A certa altura, ela percebendo o olhar insistente do professor, que era  ainda bem jovem, na casa dos vinte anos. Obviamente, que ele estava de olho na aluna e aguardava  o  melhor momento para  tirar uma casquinha. Pelo menos, era o que nós imaginávamos dele o tempo inteiro.
     E não deu outra. Chegou sorrateiramente na carteira, enquanto ela, distraída, consultava a cola bem dobrada numa das mãos.
Sentindo a aproximação, ela rapidamente colocou a folha entre os seios e encolheu o corpo, apertando-os mais que o natural, ficando da folha apenas uma pontinha de fora.
     O jovem professor ordenou que ela lhe entregasse a folha. Todavia,  a mocinha, fazendo-se de desentendida, argumentava que aquele papel era coisa pessoal e que não  tinha nada a ver com a prova. Ele foi avançando terreno e ameaçou tirar a cola, quase toda escondida no decote da moça. E falou, entre irônico e ameaçador, que, como professor, poderia sim tirar dela a folha. Sua autoridade lhe permitia  tomar aquela medida extrema.
     Foi aí que a menina, acuada, resolveu reagir e virar o jogo, dizendo que tudo bem, mas se ele quisesse usar sua autoridade poderia se dar muito mal, pois ela, como moça séria e de respeito que era, daria um belo tabefe em sua cara. 
     Surpreso  com a reação da menina, ele começou a alterar a voz e passou a ameaçá-la aos gritos, afirmando que lhe daria zero na prova e chamaria o diretor para resgatar a cola que ela havia guardado nos seios.
     Nem precisou chamar o diretor. Este, ouvindo os gritos, apareceu, de supetão, na porta e perguntou o que estava acontecendo. Imediatamente, o homem se voltou para responder ao chefe, que já ia entrando pela sala. Por sua vez, a loirinha, num movimento rápido e preciso, retirou a folha dos seios e passou-a para mim. Rapidamente, dei um jeito de esconder entre os cadernos aquela folha que gerara tanta confusão.
     Explicou  o que estava acontecendo e quando o chefe se dirigiu à garota, esta afirmou que o professor estava é de implicância com ela, que não havia papel nenhum e fez menção de abaixar a blusa para que ele  próprio verificasse, sendo interrompida por um veemente gesto dele. Foi um suspiro geral de toda a rapaziada.
     No final,  reclamou para o diretor, também já em apuros, suando frio, que o outro ficava a aula inteira devorando-a com os olhos. Não tinha nem liberdade de se abaixar sobre a carteira de tanto que ele a encarava.
     O professor quis protestar, e o diretor, que era seu tio e o responsável pela sua contratação naquele estabelecimento de ensino, convidou-o a sair da sala para uma conversa mais esclarecedora na  diretoria. O rapaz acabou sendo afastado com a desculpa de que havia  destrancado  matrícula numa faculdade que cursava em Diamantina.
     Acabado aquele dia de aula, voltei para casa eufórico.  Estava doido para chegar em casa e poder abrir o caderno de matemática e pegar a tal cola  que dera aquele pepino todo. Bem amassadinha, ela rescendia um perfume divino que me levou para um mundo paralelo. Fiquei um tempão sonhando, cheirando, quase devorando aquela folha de caderno.
     Naquela noite, a cola “dormiu” debaixo  do meu travesseiro.  Pela  manhã, minha mãe foi arrumar o quarto e encontrou aquele papel amassado cheinho de contas complicadas e  quis saber se era alguma nova técnica para que a matemática entrasse na minha cabeça.  Sabia de nada a inocente.

Fernando Antônio Belino
Enviado por Fernando Antônio Belino em 22/01/2020
Reeditado em 21/08/2023
Código do texto: T6848161
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