CARRAPICHO
Quando criança, pés descalços e energia a mil, andávamos e corríamos pelos campos procurando o que não havíamos perdido.
Da grama macia à terra tombada, nada nos detinha em nossa caminhada e nenhum tronco era alto ou áspero demais para ser escalado: mangueiras, jambeiro, caquizeiro, goiabeiras e até jaqueira. As tenras canas não resistiam aos nossos dentes afiados; as jabuticabas e carambolas eram motivo de festa, até as “caixas” de marimbondos eram alvos de pedradas até caírem para depois mastigarmos aquele “papelão” pelo doce néctar; diziam que era feito de cocô de vaca, mas não importava.
Somente uma coisa incomodava eram os espinhos de carrapicho que entravam em nossos pés e doía a cada pisada, como uma agulha muito fina a nos cravar a carne e não conseguíamos vê-los para arrancá-los. Permaneciam doendo por dias e, segundo nossos avós, se transformavam nos famosos “olhos de peixe” e não duvidávamos porque vivíamos com os pés cheios deles, quando não dos “bichos de pé” e sua deliciosa coceira.
Crescemos e aprendemos a refletir e, por analogia, os espinhos de carrapicho continuam a nos ferir diariamente nos revezes da vida. Não são os espinhos de primavera, de roseiras ou “coroas de Cristo” que nos atormentam, pois estes ferem, fazem sangrar, mas não fica encravado no corpo como os espinhos de carrapicho que embora não façam sangrar, insistem em ferir a todo o momento, de forma que não nos permitem esquecê-los. São como pedras: não tropeçamos nas grandes, mas nas pequenas; ninguém carrega um tijolo no sapato, contudo, areia e pedrisco são um verdadeiro pesadelo no calçado.
Assim, crianças, jovens e adultos sempre teremos os espinhos de carrapicho a nos atormentar, esperemos que não se transformem em “olho de peixe” agora que já não os temos mais.