​​​​O namoradinho que só gostava do cheiro
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Uma prima nossa, bonitona e, também, seu tanto assanhada, bem saidinha, como minha mãe costumava dizer, que morava numa roça, como se dizia, pelos lados da Fazenda Velha, de vez em quando, vinha passar uns dias com a gente. Normalmente, um final de semana.
     Nessas visitas, ela acabou arranjando um namoradinho no bairro. Um sujeito muito certinho, de boa família e que tinha, inclusive, passado um bom tempo estudando num seminário da histórica Mariana. Os pais dela não permitiam que a mocinha namorasse firme. Queriam que ela esperasse mais um pouco. Pelo menos até os dezoito anos, para arranjar um rapaz sério e se casar  logo, para evitar maiores complicações.
     Ela acabara de sair dos quinze anos e o jeito que teve foi vir namorar, nos finais de semana, em nossa casa. Assim, ficava todo mundo fazendo sala para o casalzinho e, às vezes, saíamos para um passeio. Normalmente, festa de barraquinha, depois da missa ou caminhada na orla da lagoa do centro da cidade.
     Os pais dela tinham confiança em deixá-la vir para nossa casa, sobretudo, porque minha mãe era sua madrinha  de crisma. Era o suficiente para calar a boca do mundo. E não deram também muita importância aos comentários que circulavam sobre os namoricos da filha. Pensavam ser alguma coisa sem sequência ou consequência. Fogo de palha.
     Mas o namoro foi rendendo, e, tanto ela como todos nós, tivemos a oportunidade  de conhecer melhor o rapazinho. Cheio de manias e tirado a corrigir as pessoas sem a menor cerimônia. Bastava minha prima deslizar no uso da língua, e lá vinha ele:  é rubrica e não rúbrica;  mulher deve dizer obrigada, mesma, própria; meio cansada e não meia cansada. No dia em que ela soltou um menas,  ele ficou até vermelho de nervoso.
     Aquilo foi gerando uma certa implicância nossa com o sabichão e ninguém queria sequer conversar com ele, para evitar  problema. Um dia, a moça disse que, quando vinha de bicicleta com seu irmão, passando pelas estradas poeirentas do Paredão, veio um carro e quase que ele “nos atropelou nós”. O rapaz corrigiu na hora e deu uma série de explicações sobre o uso dos pronomes pessoais do caso reto e do caso oblíquo e ainda sobre um tal de pleonasmo,  do qual a mocinha, nem nós, nunca tínhamos  ouvido falar.
     Mas não ficou só nisso: no Dia dos Namorados, ele deu para a menina um dicionário  Aurélio, daqueles  grandes. Meu pai até pensou que fosse uma bíblia.
     A moça levou na brincadeira, mas falou que não devia ficar gastando dinheiro com essas coisas, afinal, havia presentes bem mais úteis e mais  baratos, até.
     As coisas iam seguindo nessa toada até que um dia o caldo entornou de vez. Minha prima, por sinal, tinha comentado com minha irmã, e ela acabou por contar para nós todos, que o rapaz era muito morno como namorado. Mesmo para os padrões conservadores dos namoros daquela época, ele era muito comportadinho, e a moça reclamava que aquele namoro rendia muito pouco. Parecia um casal de padre e freira. No máximo, uns abraços secos, bem de leve, alguns toques de mão e uns beijinhos no rosto, quase de raspão. Nada muito além disso.
     Meu Irmão-mais-Velho que  ia bem adiantado nessas artes de namoro, até bem além do conveniente, já frequentando a casa das tias com a maior desenvoltura, prometeu que iria dar uns toques para  o donzelo. Se não ficasse esperto e não correspondesse às expectativas da nossa prima, ia acabar sendo dispensado. Pretendente é o que não faltava na área.
     O pote de paciência de minha prima estava quase cheio. Achava que já estava perdendo tempo, fazendo papel de trouxa. Viagens longas quase todo final de semana e aquele chove-não-molha. Mas, por fim, veio a gota d’água. E foi  quase que por acaso.
     Num sábado, estava todo mundo reunido na sala, e os dois, num cantinho, arrulhando, como dois pombinhos em  torre de igreja. De repente, veio da cozinha o cheiro de pipoca sendo estourada. Era minha irmã dando uma de cozinheira.
     O rapaz comentou para ela escutar: Que cheirinho bom de pipoca. Uma delícia. E seguiu o papo com a namorada.
     Assim que terminou de estourar o milho, minha irmã colocou a pipoca numa grande bacia de alumínio, pulverizou uma pitada de sal e veio trazendo para a sala, a fim de  que o rapaz fosse o primeiro a se servir. Mas ele de forma quase grosseira, agradeceu, justificando que  gostava era apenas do cheiro.
     Minha irmã ficou um pouco vexada com a inusitada  resposta dele e foi circulando pela sala, para que todos pudessem tirar um punhado .
     Meu Irmão-mais-Velho viu que era a hora de entrar em ação e pegou a bacia já pela metade, parou  diante do casal e foi falando, bem despachado. Tudo certo que você goste só do cheiro, mas, mais dia menos dia , vai ter de querer mais do que o cheiro. E se não reagir a tempo, vai acontecer com você o mesmo que está acontecendo com essa bacia. Daqui a pouco, quando você decidir comer, não vai encontrar mais pipoca nenhuma.  Só  vai ter piruá.  E assim dizendo, quase que esfregou a bacia no nariz do namoradinho de tão apurado paladar e, praticamente, intimou-o a tirar pelo menos uma pipoca para comer.
      O rapaz fez uma cara de fastio, mas, sentindo-se pressionado, pegou uma única pipoquinha e começou a mordiscá-la com cara de nojo. Não teve quem não parasse para apreciar a cena. E ele, cuspindo os fragmentos na própria mão, reclamou que estava muito salgado.
     E meu irmão, sem dó nem piedade, completou. Ah, meu chapa, se não quer comer só porque está achando salgadinho, pode picar a mula e ir pregar em outra freguesia, que desse seu mato aí não sai coelho nenhum, não.
O pobre coitado ficou todo atrapalhado com o ataque, começou a suar, dando pressa de ir embora, não obstante tivesse, praticamente, acabado de chegar.
     Minha prima concluiu que, realmente, não valia a pena investir o seu tempo com um cara frouxo daqueles e, no mesmo dia, deu por terminado aquele insípido namoro.
     Poucas semanas depois, estava de braço com o filho de um vaqueiro recém-contratado na fazenda. Comentava-se que era  um pessoal,  da região de Capelinha,   fugindo de brigas entre famílias, que tinha acabado até em mortes de parte a parte.  O rapaz mostrou-se  bem desinibido e,  no primeiro dia em que  visitou nossa casa, já quis conhecer a cozinha e a varanda dos fundos.
     Meu pai, vendo o estilo do rapaz, achou por bem deixar  a responsabilidade daquele novo relacionamento para os meus tios, a fim de evitar amolação. E, assim, a moça passou a se encontrar com o novo namorado na própria casa.
     Não se passaram três meses, chegou a novidade de que ela estava de barriga, e meu  tio andava afobado para fazer o casamento dos dois. Pelo visto, o rapaz não era desses que contentavam só com o cheiro. Minha prima que o dissesse.

Fernando Antônio Belino
Enviado por Fernando Antônio Belino em 22/01/2020
Reeditado em 17/09/2022
Código do texto: T6848130
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