Pedaços do cotidiano
Pedaços do cotidiano
Belvedere Bruno
Amanhecia, quando Tico, cambaleante, chegou em casa encontrando a esposa, Matilde, preparando o café.
- Até quando essa vida, Tico? Nada de procurar emprego, hein? Que falta de noção, meu Deus!
- Tava no hospital com Fonsequinha, uai! Levou porrada na briga que rolou aqui no forró. Tu nunca sabe nada. Pergunta pro Tamanduá. Viu tudinho.
- Agora mais essa de forró? Forró onde?
– Num apurrinha! Dá um tempo! Sempre rola forró perto da birosca.
Os dias passavam e Tico naquela marola que não tinha fim. Um entra e sai com amigos, risadas no carteado na varanda e vaquinha para comprar cerveja.
Sexta, à noitinha, bebericando no bar com amigos, olhou para Tamanduá, deu um soco na mesa e disse:
– Essa joça num dura. Todo dia tu tasca aumento nos tira-gosto e nas branquinha. Tirou até os ovos colorido. Pessoal do carteado tá puto! Já tão pensando em ir pro pubi do Gastão.
- Que pubi do Gastão? Tu lá tem bala na agulha pra tirar essa onda? Tá me devendo, hein? Vê se não esquece, tá?
- Já deixei de ti pagar? O pubi pode ser caro, mas tem gente boa. Aqui, só essa sinuca fajuta, rádio chiando.
.- Deixa de onda, Tico, tu não tem grana nem pro café da manhã.
E a discussão prosseguia, sem que chegassem a uma conclusão.
Tico, então, decide reunir a turma do carteado e ir ao pub. Era sábado, quando se esmerando nos trajes, os amigos pareciam que se encaminhavam a um paraíso. Riam, gesticulavam, tramavam enredos. Uma alegria que chegava a ser infantil.
Lá chegando, pediram o cardápio, mas não entenderam o que estava escrito. Cheio de atitude, Tico assoviou, apontando para o garçom.
- Ei, Moço! tem branquinha?
-Hum?
-Tem branquinha não?
- Senhor, temos o que está aí
- Traz esse uísque- apontou na carta de bebida. - Coxinha? Frango a passarinho?
O garçom deu de costas, e voltou, trazendo o uísque. Tudo formal, sem espaço às conversas de boteco às quais já estavam acostumados. Entediados, se entreolhavam.
O tempo ia passando, volta e meia aparecia o garçom, mas o grupo apenas observava o movimento ao redor. Fora do pub, uma imensa fila se formava.
- O que está havendo, senhores? Algum problema? – perguntou o gerente, que havia sido chamado pelo garçom. Há três horas o grupo havia feito o último pedido.
.- Gostamos nadica. -disse Tico balançando a cabeça.- Que músicas! Quem tá cantando?
– Um grupo de jovens. Músicas dos Beatles e Freddie Mercury.
- Ih, que saco! – respondeu Tico, amuado.
- Gostariam de pedir a conta? -Tico balançou a cabeça, concordando.
Chegando a conta, examinou e no maior estardalhaço, gritou.
– Que rôbo! - Clientes nas proximidades olhavam, criticando em voz baixa.
O gerente achou por bem deixar a turma sair a fim de evitar problemas para o recém-inaugurado pub.
E a turma, contente, voltou para a birosca do Tamanduá.
- Deu mal. Que merda aquele pubi! Música dos bitous e fredi mercuri. Solta uns croquetes e manda uma caninha das boa! - disse Tico rindo.
Tamanduá olhou para ele com decisão:
- Que história de hospital com Fonsequinha é essa? Matilde esteve aqui.
– Deixa quieto! Já num sei o que inventar.
–Tô fechando a birosca. Tá muito tarde. Podem dar meia-volta. Preciso é de ajudante aqui. Vocês só querem boa vida!
- Tamanduá, bem que tô precisando de fazer uns bicos. – disse Tico.
- Começa amanhã, às oito!
- Valeuuuuuuuuuu! Voltá com os ovos coloridos ! Uhuuuuuuuuu!
Um pagode vindo do rádio tornava a atmosfera animada. A turma batucava na mesa, rindo e cantando.
Tamanduá, integrado ao grupo, desistira de fechar as portas e a coisa ia animando madrugada adentro. Parecia o retrato da felicidade.