HORA DA REZA.

Lugar sombrio, assombreado, não assombrado; repleto de ipês, amoras silvestres, pitangueiras, flamboyants, acácias, guarucaias, jambolão, mangueiras, que haja sombra e mato. É onde debulho as contas do rosário, entre os gritos estridentes de tuins e maritacas e um canário trina solitário, enquanto sabiás, bem-te-vis e corruíras cantam radiantes e enamorados, parecem hiperativos tamanha a rapidez de seus movimentos.

No vai e vem da rede, um Pai-Nosso e uma Ave-Maria. De repente um: “Hã!” seco: um dos cães, em brincadeira, esbarra em minhas costas na rede; dói e perco as contas da oração.

Uma vaca muge e a vizinha grita; moleque boca suja, que só fala palavrão. E a reza continua no nheeec nheeec da rede: “- Me ajude, Jesus!”

Uma lágrima escorre, o cachorro percebe e tenta consolar, bate sua pata em meu rosto e cai a lente do óculos: “- Ô, Maria, e agora? Como enxergar para consertar se não enxergo sem óculos?” espero acabar de rezar.

Ave-Maria, cheia de graça... Ao fundo as cigarras respondem: -AAAAmém.

Um bando de garças brancas surge no céu azul recortado pelo exuberante verde e amarelo da frondosa guarucaia ou canafístula, como também é conhecida. Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, mais um mistério do terço.

Agora um pulo: a mutuca picou através do pano da rede! Ahhh, maldita! “...Seja feita vossa vontade...” E a cruz enrosca na renda da rede. Tudo bem até o barulho no mato e a cachorrada latindo feito doida, começa a briga: “- Parem! É só um gato!” A briga continua e pior: “- Parem, já falei, ou vou até aí e vocês já sabem!” Eles não sabem nada, porque nunca fiz nada.

Escondo o chinelo porque eles são máquinas trituradeiras. Último mistério, o homem solta a vaca lá no fundo e os cachorros partem pra lá fazendo jogral; a vaca dá cabeçadas no alambrado, se o chifre enroscar ai estourar o arame e os cachorros escaparão, a vizinha virá nervosa com medo.

Finalmente a Salve Rainha e vou tentar consertar a lente do meu óculos.

Será que a reza valeu?