O anotador
O rio fazia uma curva generosa antes de mergulhar por baixo da ponte, deixando a descoberto na margem interna, mais poupada pela correnteza, uma praia de areia grossa e seixos rolados. Generosos eram também os decotes e os cavados dos biquínis das meninas que iam ali se banhar, aproveitar o ouro das areias para se dourar. Deixavam a descoberto a carne morena e as curvas arredondadas dos quadris, que rolavam no caminhar suave sobre os seixos.
Eu o encontrei pela primeira vez na estrada a uns trinta metros da prainha. Segurava um lápis e um bloco de anotações na mão. Muito magro, camisa de manga comprida abotoada nos punhos e no pescoço, trazia na cabeça um imenso chapéu de feltro escuro de abas largas. Calçava botas e vestia calças compridas gastas. Devia ter uns quarenta anos. Debaixo do chapéu, um rosto comprido, face encovada e nariz afilado, me pareceram vagamente conhecidos, mas isto não quer dizer nada, porque ali, fora os turistas, veranistas e visitantes, todo mundo pertence a uma única família, vinda de terras distantes.
Estacionei o carro e o cumprimentei, não sem um certo espanto. O que é que, por aquelas bandas, fazia um anotador? Era para fiscalizar o rebolado dos biquínis, era para deixar registrado os avanços e recuos das curvas do rio ou era para anotar as cavas da estrada?
Ele retribuiu o cumprimento com uma cortesia talvez um pouco excessiva e, quando lhe perguntei, talvez por medo de ser incluído nas anotações, se o meu carro estava atrapalhando, ele se apressou a me assegurar "pelo contrário". Qual era exatamente o "contrário" ao qual ele se referia eu não perguntei, por consideração.
Eu o vi ainda algumas vezes. Sempre na estradinha, sempre de lápis e caderno de anotações na mão, sempre perto da prainha, onde no verão os veranistas vêm apagar o fogo do corpo nas águas geladas.
De onde viria o estranho personagem? O que é que estava fazendo ali? Só vim a descobrir quando uma manhã chuvosa me levou para bem longe do rio e das areias douradas. Eu tinha decidido fazer umas compras em uma vendinha e estacionei o carro perto de um campo de futebol. Para andar até a vendinha passava-se por uma casa pequena escondida atrás de uma sebe alta. Escutei a saudação, me virei, mas não vi ninguém. Foi quando surgiu no portão da casa a figura magra de chapéu de feltro grande. Vestia a mesma calça, as mesmas botas e a mesma camisa. Só não trazia o lápis e o caderno de anotações. Levou a mão ao chapéu e me saudou com um movimento da cabeça.
Fiz as minhas compras e, na volta, passei na casa novamente. Me virei, mas a sebe alta escondia casa e morador. Só não me escondia, porque escutei nitidamente o cumprimento de despedida. Do seu posto, ele via tudo, espreitava olhando pelos espaços vazios das touceiras.