QUEM MATOU OS PIXOTES DE PARAISÓPOLIS?

Lançado em 1996, o drama nacional Quem matou Pixote? (José Joffily) conta a história de Fernando Ramos da Silva o menino pobre, favelado, semianalfabeto, que, aos 11 anos de idade, conheceu o estrelato como personagem-título do filme Pixote, a lei do mais fraco (Ecto Babenco/1980), premiado nacional e internacionalmente, tendo sido indicado ao Globo de Ouro norte-americano como melhor filme estrangeiro.

Em agosto de 1987, aos 19 anos e, agora, na vida do crime, Fernando - o pixote da vida real - foi morto pela polícia paulista (a mesma do caso de Paraisópolis) com 8 (oito) tiros a queima-roupa, mesmo estando encurralado e desarmado. Nenhum dos policiais envolvidos foi preso, apenas demitidos por fraude processual. Em entrevista ao jornalismo da Globo, à época, o Comando da PM informou que "Fernando foi apenas mais um dos 190 marginais mortos pela PM este ano".

Qualquer semelhança entre a resposta daquele comandante, os elogios do atual governador de SP (João Dória) à PM (como "a mais bem treinada do País") e o seu protocolo anunciado antes da posse, em 2018 ("A partir de 1º de janeiro, a Polícia vai atirar para matar"), não é mera coincidência.

Em Quem matou Pixote?, a pergunta é uma provocação ao telespectador, que se verá diante do seguinte dilema: "Quem, de fato, matou Pixote: a Polícia, a Família, o capitalismo, o consumismo, a miséria ou o Estado?"

Há no Brasil - e não é de agora -, a cultura de que o papel da PM é matar - e isso vem sendo, há anos, incentivado por programas televisivos sensacionalistas, patrocinados por marcas pouco escrupulosas, com a clara intenção de consolidar no inconsciente coletivo essa compreensão depurativa do papel da PM.

E quando o povo protesta, essa mesma Imprensa parcial e interesseira, a serviço de grupos econômicos e políticos, e não da população, distorce o sentido das reivindicações, mais uma vez levando o senso comum a deduzir que grupos que defendem bandidos estão colocando o povo contra a Polícia.

Mas os jornalistas (e quem os patrocina) que prestam esse desserviço sabem que essa versão está muito distante da verdade.

Como no caso do "Pixote", a dúvida é a mesma: quem matou os "pixotes" de Paraisópolis: a Polícia Militar, o funk, os traficantes, o Estado...?

Isso não causaria tanta polêmica se simplesmente atentássemos que por trás de quem aperta o gatilho, há alguém que dá a ordem; e o governador foi claro - mesmo antes de assumir o Governo: "A Polícia vai atirar para matar".

Cabe ainda ressaltar 3 pontos: 1) basta comparar os protocolos (e os números resultantes) da PM em um e em outro governo; 2) a própria instituição PM é vítima da política de [in]segurança do Governo, uma vez que não é pra isso que os policiais se preparam e nunca foi e jamais será esse o código de honra da instituição; e 3) o próprio governador afirma que essa é a PM mais bem preparada do País, o que leva, inevitavelmente a apenas uma de 2 conclusões: ele está blefando e sendo sensacionalista, ou ele está falando a verdade, logo, não é falta de preparo, é uma ação proposital, deliberada, ordenada pelo governador.

Conhecendo a história recente de nosso País, não seria precipitação deduzir que o mais provável no caso de Paraisópolis é ocorrer o mesmo que no caso de Fernando Silva, o Pixote, onde quem puxou o gatilho recebe uma punição (ainda que branda), e quem ordenou o disparo continue posando de herói.

Mas se esta é a vontade do povo (que elege tais representantes), pode até ser sádica e nefasta, mas, pelo menos do ponto de vista político, é legítima.

Só é temerário afirmar que quem escolhe como representante esse tipo de gente é totalmente inocente do sangue daquele, desses e de tantos outros milhares de pixotes brutalmente derramado por esse imenso País.