007 VALORIZAÇÃO OU MANIPULAÇÃO?

É cedo pra tirar qualquer conclusão definitiva sobre a nova Política de Segurança Pública do Brasil. Conjecturar sobre seus possíveis desdobramentos, no entanto, não é crime.

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Um dos resultados imediatos da nova concepção de Segurança Pública e combate à criminalidade no Brasil é o aumento de mortes em confrontos com policiais militares.

No Amapá, por exemplo – talvez uma das últimas divisas brasileiras alcançadas pelo crime organizado –, em 2019, o aumento desse tipo de morte foi de 118% em relação ao ano anterior, segundo a própria Segurança Púbica do Estado. Já no RJ, esse aumento, no fim do 1º semestre/19, era de pouco menos de 20%.

Segundo relatório de pesquisa do Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública do Ministério Público do Rio de Janeiro, no entanto, o aumento da letalidade nas ações policiais naquele Estado não se refletiu na redução da criminalidade, além de causar outros impactos negativos diretos e imediatos, como o aumento de morte de civis inocentes, morte de policiais, além de graves transtornos econômicos e sociais, como o constante fechamento do comércio, escolas e até hospitais.

Muitos estão comemorando esses resultados – entre muitos populares, é grande o entusiasmo com a política de segurança do “bandido bom é bandido morto”, mesmo não havendo pena de morte no País.

Enquanto isso, ao tentar emplacar sua proposta de excludente de ilicitude – uma espécie de 007 (permissão para matar) – no famoso pacote anticrime, o presidente da República não poupou energia, tempo e dinheiro – além de muita saliva junto ao Parlamento – para alardear aos quatro ventos do País de que, com isso, estava valorizando as polícias, em especial a Militar.

A julgar pela ótica do presidente e de seu ministro de Segurança Pública, o que faz o policial se sentir desvalorizado é não poder matar gente (mesmo que bandido) sempre que julgar ser uma necessidade extrema.

Ou seja, por essa ótica, salário, condições de trabalho, capacitação, equipamentos e amparo psicoemocional tem pouca ou nenhuma relevância. Aliás, o presidente foi deputado por quase 30 anos pelo RJ (estado que dispensa comentário quando o assunto é Segurança Pública), e jamais aprovou qualquer projeto ou teve qualquer ação de destaque no sentido de melhorar quer a Segurança do Estado quer as condições de trabalho e de vida dos militares que lá atuam.

Uma das perguntas óbvias que se faz é: quais serão, especialmente para o policial militar (pm) e sua família, os impactos dessa política de 007 a longo prazo – daqui a 15 ou 20 anos, por exemplo? Ou, de fato, os pms que atuam na linha de frente dessa política se sentirão bem, seguros, felizes e realizados apenas com os elogios do presidente e o título (oficioso) de heróis concedido pela parte da população que se empolga com o caso em questão?

O que estará acontecendo, nesse prazo, com esses policiais e seus familiares, especialmente seus filhos? Como estarão os índices de policiais gravemente afetados emocionalmente depois de todos esses anos de atuação?

E a queda na taxa de crimes violentos vai se manter – e até aumentar – a longo prazo, ou surgirão outras modalidades mais violentas ainda?

Creio ser prudente ressaltar que mesmo em países com inteligência policial de altíssimo nível e altos investimentos em formação humana (educação de qualidade) e qualidade de vida (geração e distribuição de renda), o crime sempre dá um jeito de se reinventar e, não raras vezes, acaba surpreendendo a polícia e a sociedade em geral.

De fato, é cedo pra tirar qualquer conclusão definitiva sobre o tema. Conjecturar sobre seus possíveis desdobramentos, no entanto, não é crime e, pelo contrário, de repente, pode até contribuir para evitar tragédias mais dramáticas e maiores.

Assim sendo, penso ser de bom alvitre atentar para pelo menos 4 pontos:

1) metamorfose do crime – inexoravelmente, uma das consequências dessa nova política de segurança (à lá 007) poderá ser a transformação do crime organizado – que já é extremamente violento – em algo mais assombroso ainda, como o narcoterrorismo, com ações tanto contra o Estado e seus agentes (policiais e famílias) e a população geral. O Estado estará preparado para revidar?

2) aumento da cooptação de policiais para o crime – se a própria Polícia começa a ser, de certa forma, vista como um esquadrão de extermínio – quase uma milícia (sem que seja tido como ilegítimo ou antiético) –, que diferença (além da renda milionária dependo do lado que se atua) fará atuar do lado daquela ou dessa organização: ser policial o ser miliciano?”, poderão indagar muitos desses agentes, e recrudescer uma situação que, hoje, já é bastante preocupante nas polícias de todo o País;

3) aumento, de forma epidêmica, de doenças psicoemocionais em policiais militares – já que seus chefes, principalmente os civis, dão a ordem (para matar), mas permanecem em seus escritórios, deixando quaisquer acertos de conta para aqueles que apertarão o gatilho;

4) manipulação, cada vez maior (através dessa política), da população incauta, obtendo, assim (os gestores), o aplauso dos demagogos e o voto dos ignorantes.