Para Além das Janelas.
Eu tinha certeza de ter fechado a janela da sala antes de sair. Quando voltei, o sofá , o tapete , as cortinas e o chão, estavam encharcados com a chuva de verão que caiu de repente.
Nem adiantava xingar. A culpa do transtorno não foi da chuva, mas sim da certeza que gerou a distração. Tivesse duvidado, verificaria todas as janelas antes de sair.
Interessante como a vida é sempre pedagógica. Ela vem nos ensinar lições utilizando uma linguagem simples, através dos eventos mais banais... Pensei, enquanto secava a água do chão.
Li em algum lugar, há um tempo atrás, que a certeza pode ser desastrosa. As convicções sem clareza podem trazer uma falsa ideia de controle sobre as coisas, gerar opiniões fechadas sobre verdades absolutas que a rigor não existem e, em consequência, engendrar desastres bem maiores do que uma simples janela aberta em um dia chuvoso.
Sem pretender fazer julgamentos, tomando como parâmetro a mim mesma, nós seres humanos temos o vício de permitir que nossas convicções nos ceguem para outras possibilidades. Não somos obrigados a ter todas as respostas na ponta da língua. A vida merece ser explorada e conhecida de todas as direções possíveis, enquanto estamos vivos, enquanto ainda podemos enxugar o chão inundado.
Em um dia de Finados, ouvi de uma velha senhora no cemitério, que a morte foi quem trouxe a primeira certeza. A certeza de que aquele corpo não mais se moveria, não mais poderia interagir, sorrir, sonhar... A certeza de que cadáveres são todos idênticos, somente a matéria orgânica: feio/bonito, rico/pobre, jovem/ velho... O dia de Finados é o dia das certezas - todas as convicções paralisadas e interrompidas, sob jazigos enfeitados, reduzidos a um punhado de ossos. Achei a reflexão interessante.
Se a vida continua em outros planos, quem sabe? Nada da vida é certo.
Porém a dúvida, esta segue pulsando em cima da terra, lá onde a grama cresce, onde a flor busca pelo sol, onde as pessoas se acotovelam pelas ruas em correria desvairada, onde a mãe chora o destino do filho perdido para o tráfico, onde os seres vivos consumam suas cadeias alimentares, onde os ciclos se cumprem. É a ordem no caos do provisório.
Nenhuma alma sincera aparenta muita certeza na superfície do Cosmo. Então, o hóspede que habita minha armadura mortal me disse: "Tudo bem duvidar, o mundo já tem gente demais cometendo desastres em nome de suas convicções".
Para os apegados com a certeza, a ideia da dúvida é apavorante. É como estar à deriva, longe da terra firme das verdades absolutas: da ciência, da moral, da religião, da política... Mas a vida não é ortodoxa, ela está sempre buscando, aperfeiçoando, construindo-se e refazendo-se nas reentrâncias e intervalos das certezas.
Neste momento, para muito além das milhares de janelas abertas, semiabertas ou fechadas, a vida vai se desenrolando em um plano divino do qual ninguém sabe a sequência.
A única certeza é a de que estamos vivos neste instante, que a vida é uma dádiva. Isso basta, todo o resto é mistério!