Produtos da Modernidade
Observando o grande número de ofertas de eletro eletrônicos nas lojas atualmente com liquidações, todos os tipos de abatimentos, parcelamentos e até financiamentos, muitas vezes nos vemos tentados a comprar esses produtos da modernidade, equipar nossos lares ou mesmo carregá-los com a gente como se fossem nossos próprios filhos ou animais de estimação.
A verdade é que eles exercem um grande fascínio e ocupam uma importante parte em nossas vidas, mas analisando a situação mais de perto percebemos que essa tal modernidade e seus produtos nem sempre podem ser considerados benéficos à humanidade. Quem nunca se pegou admirando-os por longos minutos em frente a uma vitrina, como que em uma verdadeira adoração religiosa, não duvido se já não se inventou algum tipo de oração para que possamos comprá-los, e depois pagá-los, pois com o valor que os adquirimos, ainda mais aqueles importados dos EUA, parece que pagamos uma penitência todos os meses, de tão sacrificado que é para separarmos aquela quantia do salário mínimo para quitar valores tão recheados com juros e taxas que nem os vendedores nos sabem explicar com clareza de onde vem e para que existem. Então resta ao comprador ter fé para não fazer como São Tomé, que precisou ver para crer.
Ás vezes, esse ritual de observação constante parece até um ritual de conquista. Como nos relacionamentos o enlace é precedido por um processo de conhecimento e convivência, a tão sonhada união com o objeto de desejo, ou alguns diriam a realização do sonho só ocorre após freqüentes visitas as lojas, com perguntas, considerações, conversas e processos dolorosos para o bolso e o coração. A aquisição em si se dá pela assinatura de documentos e uma espécie de ritual que parece conferir mais importância ao ato. Há aqueles modernos, alheios as formalidades que preferem tudo sem burocracia, e acabam pulando várias fazes dessa relação indo direto para os finalmentes, depois pagando o pato com altíssimas taxas de juros e alienações fiduciárias desleais.
Estou fazendo todas essas considerações, pois tive a felicidade de presenciar essa relação no plano residencial "de nossa casa". Desculpem a redundância. Mas ela existe em função da exatidão que merece a descrição. Moro em uma república de estudantes no qual lavagem de roupas era um tanto quanto difícil e árdua porque não éramos dotados de uma máquina de lavar. A coqueluche ocorreu quando uma tão esperada máquina foi adquirida por um dos integrantes mediante todos aqueles processos descritos previamente. O primeiro dia foi de êxtase e euforia, no qual toda a roupa da casa passou por um processo de lavagem minucioso e merecido, no qual todos os procedimentos operacionais foram explicados e reexplicados a todos. Houve um longo período de uma semana em que os dois (amigo e máquina) se curtiram entre lavagens longas, seguidos de enxágües extras e uma centrifugação de fazer inveja. Ele se deleitava desvendando os mistérios do amaciante que era colocado na máquina em um recipiente totalmente fechado depois não se sabe como desaparecia no final do ciclo de lavagem. Tudo era perfeito, ver meu amigo lado a lado dela, a admirando, a elogiando, praticamente a desejando, era como ver dois pombinhos em uma lua de mel.
No entanto, como tudo que é bom dura pouco, aquilo passou a consumir mais e mais seu tempo. O que deveria ser uma relação harmoniosa passou a se tornar uma obsessão. Nossa casa se transformou em uma lavanderia. O companheiro se encontrava cada vez mais vidrado e hipnotizado por aquela máquina. Ninguém mais poderia chegar perto dela, “-dela?”, aquilo era só uma máquina o alertamos várias vezes sem muito sucesso. Houve um longo e doloroso processo em que “ela” passou a já não ser tão confiável e freqüente, passando a apresentar pequenos problemas, chegando até mencionarem um certo desgaste que a obrigou a ir e voltar para receber assistência de um tal de técnico.
A relação que neste caso foi de consumo não teve um final muito feliz, porque houve a revelação de fatos, características e até vícios que não supriram as expectativas de nosso amigo. Juntando todos esses fatos e uma série de incompatibilidades a separação, digo, devolução, foi inevitável.
Bom, para os mais desinformados a lei possibilita o desfazimento e anulação do vínculo com a devolução do bem desde que este não apresente mais confiabilidade dentro do enlace, de consumo, que isso fique bem claro!
3 Meses Depois…
Hoje ele se diz bem mais feliz preservando o meio ambiente, que passou a ser sua grande obsessão. O cara usa a mesma roupa dois lados para economizar lavagens, água, sabão, energia e o quarto dele fede pra caramba. Lançando um olhar um pouco mais realista sobre a situação percebemos que essa tal modernidade e seus produtos nem sempre podem ser considerados benéficos à humanidade, mas acredito que existem exceções.
Por Fabrício Silva Lima – 19/07/2007