A cara-metade*
O que é esta tal cara-metade de que os românticos tanto falam?
Parafraseando o samba, “não sei, nunca vi, eu só ouço falar”.
Mas eu sei, sim, do que isto se trata. A cara-metade, a contra-parte, a outra metade da laranja. Para mim, entretanto, não se trata de pessoas iguais, mas de diferentes. Diferentes que se complementam.
Existem casais diferentes em que uma das partes difere da outra. O Legião Urbana romantizou isto em “Eduardo e Mônica” acertadamente. Desde a idade, passando pelas habilidades de cada um, influenciando diretamente na forma de ver o mundo, mas ainda se amando, o casal fictício (?) deu esperança a muitos em continuar relacionamentos difíceis.
Mas este post não quer dissertar sobre este aspecto do relacionamento de um casal, sobre as dificuldades. Eu quero falar sobre a beleza dos opostos que se põe juntos em torno de um sentimento que perpassa personalidades, que põe em xeque o “narciso” que existe em nós.
Eu e minha esposa somos opostos que se colocaram frente a frente por amor.
Ela tem fé, eu não. Ela espalha luz onde passa, eu sou discreto até demais. Ela é determinada, absolutamente obstinada pelo que deseja, eu espero (demais) as coisas se ajeitarem sozinhas. Eu prefiro roupas pretas, ela brancas. Eu sou Yin e ela Yang.
Mas a gente se complementa deste jeito e somente deste jeito isto seria possível, pois como complementar um igual? Como somar algo que já está inteiro, que se basta? Eis o grande trunfo do amor e a grande razão de sua existência: a chance de achar essa metade que não é o que somos, mas que amamos mesmo assim, porque, ao fim e ao cabo, essa contraparte é aquilo que gostaríamos de ser em alguma medida.
E tudo isto me faz lembrar de uma capa de disco da banda Rush chamada Counterparts (contrapartes), em que figuram um parafuso e uma porca que se encaixam. Sugestivo. Na contracapa existem diversas outras relações de complementação que faz tudo isto que estou escrevendo aqui fazer sentido.
Não estou dizendo aqui que relacionamentos são assim, encaixes mágicos e perfeitos. Dá trabalho demais manter essa cola, a conexão entre os diferentes complementares exige dedicação, compreensão e admiração por aquilo que não se é, pelo que é distante e até mesmo contraditório.
A vida a dois exige que ambos estejam prontos a deixar de lado algumas convicções para que o amor floresça e possa trazer frutos, sejam materiais ou não. Por isto são metades, pois deixamos sempre algo de lado em nome do outro reciprocamente.
Minha contraparte eu já achei, tenho certeza. Ela é o meu chão firme diante das inseguranças que tenho e sei que eu sou o mesmo para ela.
*Publicado originalmente em https://ocronistainutil.wordpress.com/2020/01/10/a-cara-metade/
Jefferson Farias