CRÔNICA DOMINICAL: ADVERTÊNCIA OU INSPIRAÇÃO?

Os cristãos brasileiros defensores da teocratização do Estado como forma de nos libertar da imoralidade, da corrupção e da doutrinação ‘cumunistas’ poderiam olhar com um pouco mais de cuidado para o Oriente Médio e, de repente, tirar algumas lições.

Claudio Chaves

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Uma das cenas mais comuns aqui no Ocidente são as pessoas se horrorizarem com as reações apaixonadas e carregadas de ódio e violência de grupos religiosos e autoridades autointitulados islâmicos quando se sentem ofendidos em suas crenças ou têm como difamados suas divindades e profetas. Que norte-americano ou brasileiro nunca condenou ou pelo menos achou exagerado colocar a prêmio a cabeça de Salman Hushdie por ter escrito um livro de críticas às interpretações distorcidas do Islã e aos regimes dos aitolás? Quem, por aqui, não se indignou com o atentado contra as torres gêmeas em New York (11/09/2001) e/ou com a explosão da Redação do Jornal francês Cherlie Hebdo/2015 – esta por ódio contra uma charge satírica sobre Maomé (ou Mohamed, para quem preferir)?

O nada discreto esforço da atual cristandade brasileira – em especial, a ala autointitulada evangélica – para que a religião passe de foro pessoal a política de Estado deve acender um sinal de alerta, pelo menos nas pessoas minimamente prudentes.

No bojo desse galopante processo de cristianização oficial da sociedade, já assistimos [passivamente] a campanha eleitoral embalada em slogans como “Deus acima de Todos” – que continua, mesmo ao arrepio da lei, sendo usado pelo presidente e alguns de seus ministros como slogan de Governo – e “conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”, a criação de um Ministério da Família, anúncio de indicação de um ministro para o STF que seja “terrivelmente evangélico”, declaração de que “não é a política que vai mudar esta nação, é a igreja”, defesa de currículo escolar [da escola pública] “a partir das Escrituras”* – "O aluno vai aprender que o autor da História é Deus, o realizador da Geografia é Deus. Deus fez as planícies, o relevo, o clima. O primeiro matemático foi Deus"* – e, mais recentemente, mesmo contrariando sua equipe econômica, o Governo propõe subsidiar o consumo de energia elétrica – justo um dos maiores pesos para o consumidor – das grandes igrejas, isso logo depois de o presidente ter convocado a membrezia destas para, com ele, formarem o novo partido que irá salvar o Brasil da imoralidade e da corrupção.

Enquanto, de um lado, o Brasil vai se tornando terrível e oficialmente evangélico, do outro, quem ousa discordar (através da imprensa ou por qualquer tipo de arte) dessa cristianização oficial ou simplesmente fazer qualquer crítica ao governo messiânico ou satirizar algumas de suas muitas bizarrices, passa, mais do que imediatamente, a ser oficialmente (no sentido da hostilização vir de autoridades oficiais) considerado(a) anticristão, antipatriota, ‘cumunista’ e contrário à família, aos valores cristãos e ao Brasil; em outras palavras, um(a) herege e, como tal, deve ser queimado pelo fogo eterno; mas enquanto este não vem, quem quiser já pode ir dando uma forcinha, incendiando uma produtorazinha aqui, queimando um terreiro de culto afro-brasileiro ali, filmando um professor ‘cumunista’ cá, censurando uma produção artística satânica acolá ou, para os que preferem mais “adrenalina de Jesus”, simplesmente espancar ou sapecar um tiro no primeiro gay que encontrar ela frente quando julgar que sua forma de se expressar em público o desrespeita ou incomoda – e enquanto não é instituído um brado de vitória [oficial] do tipo “Por Deus e pelo Messias, seu ungido!”, pode-se ir improvisando com um modesto “‘Viado’ tem que morrer”!

Pelo visto, o que tanto se critica por aqui na distorcida islamização do Oriente, ao invés de advertência, nos está sendo uma boa inspiração.

Segue a marcha!

* Declarações de Iolene Lima, ex-diretora de Capacitação Técnica, Pedagógica e de Gestão de Profissionais da Educação da Secretaria de Educação Básica/MEC.