Da humilhação à exaltação*

Quando eu era um piá de escola e me enchia o saco de ser quieto e discreto, eu acabava por fazer merdas que me deixavam com ainda mais vergonha de ser daquele jeito.

Por um dia ou dois, ficava cabisbaixo pelos cantos da escola durante o intervalo. Na sala, basicamente nada mudava. Ali era um lugar de relativo domínio, pois nada temia. Às vezes só participava menos das aulas, envergonhado por não conseguir e nem saber como ser um menino bacana.

Depois essa vontade de sumir passava e voltava a conversar com os amiguinhos, colocava-me a disposição das partidinhas de futsal para ser goleiro (óbvio), brincava com outras crianças, tentando me misturar naquele ambiente infanto-juvenil que me parecia tão hostil e cruel.

Jefferson era o CDF, ou “cu de ferro”, porque não levantava nunca da carteira para nada, ou seja, assistia a todas as aulas com atenção e disciplina. Esta alcunha que recebi, logicamente, na quinta série (é lá que aprendemos a levar porrada da vida sem dó), acompanhou-me até o início do então segundo grau, quando os estudiosos eram finalmente exaltados e premiados com vagas na universidade.

Curiosamente, hoje é legal ser “Nerd”, um anglicismo adotado no Brasil que ganhou status por definir os jovens que sabem muito sobre muitas coisas diferentes, principalmente Ciências, História e Física. Ganhamos até uma “Sitcon” só nossa, a Big Bang Theory, onde nerds esquisitões, mas super inteligentes performam suas habilidades intelectuais com muito humor e fofura.

Pois é, diz em algum lugar da Bíblia que “os humilhados serão exaltados”, e não é que (pelo menos esta parte) era verdade?

Ser um carinha de óculos, meio quieto e tímido, que manja desde as pirâmides do Egito até buracos negros passou a ser algo “cool” e, portanto, desejado. Ou será que o mundo percebeu que nós, os nerds e CDF’s sempre fomos sujeitinhos legais que merecem seu lugar ao Sol nesta sociedade que se enche de músculos, brutalidade e burrice?

P.S.: No álbum de 1982, Signals, em sua primeira música, Subdivisions, escrita por Neil Peart, é relatada esta questão da exclusão destes nerds esquisitões de toda vida socialmente aceita pelos jovens daquela época. Estar à margem de algo sempre é algo muito doloroso e quando se é jovem os contornos tornam-se nítidos e dramáticos, pois faltam recursos para se lidar com as negações. São os primeiros passos da criança fora do círculo familiar, seguro e previsível, para o círculo social, perigoso e imprevisível. Peart foi um destes jovens esquisitos. Um leitor contumaz e uma pessoa extremamente reservada que, só por isto, já era excluído de muitas coisas. Subdivisions é uma música que sempre tomo por ser “minha”, pois tem coisas que já vivi de alguma forma, por ser este CDF esquisito e sem atrativos físicos ou beleza que me deixou à margem de muita coisa na vida escolar por anos. Tal como o título diz, somos hoje exaltados e invejados, temos seriados de sucesso que tentam nos representar e já não somos vistos como alvo da vergonha alheia. Neil Peart, por exemplo, foi alçado ao título de “Professor” e “Mestre” por transparecer nitidamente uma aura de sabedoria e humildade que só anos e anos de leituras, reflexão e reclusão poderiam lhe proporcionar.

Jefferson Farias

*Publicado originalmente em https://ocronistainutil.wordpress.com/2020/01/13/da-humilhacao-a-exaltacao/

O Cronista Inútil
Enviado por O Cronista Inútil em 13/01/2020
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