____________CASTIGO

 

A professora marcou a tarefa:

— Vamos escrever a história de hoje! Uma festa de aniversário, certo?

— Certo! — respondeu num uníssono ensaiado, a turminha do 2º ano — menos Agostinho, sentado ao fundo, numa preguiça de dar medo.

Dado o tempo, Dona Eunice foi às correções. Ao texto do preguiçoso, ela torceu o nariz:

— “Côbeu”, Agostinho? — e leu em voz alta para a classe inteira ouvir: “Jurandir só não comeu mais pastel, porque não côbeu na sua barriga”.

De imediato, o xingatório, e a mestra com raiva, era pior que com ódio:

— “Côbeu”! Onde já se viu? Eu morro de ensinar as coisas pra vocês! E quando vão escrever é esse horror! “Côbeu”! Onde já se viu isso, gente?

Dona Eunice estava verde! Verde de desgosto, de frustração. Andava cansada do Magistério e da meninada que não aprendia, apesar de seu esforço sobre-humano: duvidava que tivesse no mundo alguém que trabalhasse mais que ela! Mas a cabeça da molecada não guardava nada! Que tristeza! Chamou Agostinho e lhe deu a folha em branco. Castigo! Só mesmo um bom castigo pra nunca mais escrever “côbeu”!

— Cento e cinquenta, Agostinho! Cento e cinquenta vezes a palavra “coube”! Nenhuma a menos, que é pra nunca mais você errar, viu? 

Ele quis a morte! Meu Deus! Uma vez só já era sacrifício para quem ia à escola obrigado pelo pai! Imagina cento e cinquenta! Sacrifício, sim! Dos maiores! Mas fazer o quê? Obedecer, antes que seu Agenor fosse chamado e tudo ficasse pior. O jeito era escrever o tal do “coube” até cansar, e já estava cansado antes mesmo de começar.

Sem escapatória, o menino começou a cantilena dos “coubes”. Viu a turma ir pro recreio e amargou no castigo. Tantos “coubes” enfumaçavam suas vistas, davam dor de barriga, enjoo... Que vontade de pular o muro e ir embora pra jogar bolinha na rua com a meninada! Mas que remédio? E dá-lhe coube, coube, coube... Até a folha não caber mais!

Na volta do recreio, Dona Eunice veio fiscalizar:

— E então? Acabou a tarefa, Seu Agostinho? Deixa eu ver!

A mão de dedos longos e finos e unhas afiadas pegou o papel. Óculos no nariz, Dona Eunice ia olhando tudo, criticando a letra que no final já era quase um rabisco. Por fim, deslizando a ponta do lápis, passou à conferência das cento e cinquenta vezes exigidas:

— ... cento e trinta, cento e trinta e uma, cento e trinta e duas — fez uma pausa — uai! Cento e trinta e duas? Cadê o resto, Agostinho? Não fez o resto dos “coubes” por quê?

O menino suspirou desconsolado e justificou:

— Porque na folha não “côbeu”, uai...