O SUMIÇO DO JOÃO CABRAL

Reorganizando minha biblioteca, naquela sua parte mais seleta, que fica na sala de visitas, de repente dou pela falta de um João Cabral. Olho em volta, analiso as capas e lombadas visíveis dos livros que ainda estão no chão, mas não o vejo. Bom, deve estar no meio do que ainda é uma bagunça... Daqui a pouco encontro-o. E pego um Mário Quintana, um Neruda, um... (Gente, um Walmir Ayala!), um Cecília Meireles, um Rachel de Queiroz, um Manuel Bandeira, um Clarice Lispector, um Eça de Queirós. E acorre-me à lembrança que estes últimos três, com as obras Libertinagem, A hora da estrela e O primo Basílio, respectivamente, foram os livros de leitura obrigatória num vestibular da Fuvest, lá pela primeira metade dos anos 1990. A curiosidade me fez reuni-los e relê-los, à época, e agora os reencontro no mesmo arranjo de há tantos anos, e depois de uma mudança do Sudeste para o Norte do Brasil, em que vieram pelo correio, embalados em caixas de papelão! E o que isso significa? Sei lá. Acho que nada. Sim, e o João Cabral? Nada! Ou tudo.

Continuemos. Aqui, um Moacyr Scliar, um García Márquez, um Saramago, outro Saramago, um Górki, um Graciliano Ramos, um Verissimo, outro García Márquez, um Pessoa, um Dostoiévski, outro Neruda, um Camões, um Milton Hatoum... Mas, e o João Cabral?

Ponho-me a pensar em onde poderia ter ido parar meu Morte e vida severina?... Desde quando ainda morava no Sul, faz mais de quarenta anos, que não empresto livros nem discos. Não voltam nunca mais! Entre meus amigos, que não são nenhuma multidão, poucos costumam vir à minha casa. Assim como eu, negligentemente, quase não vou às suas. Precisamos corrigir isso daí, viu?

E nada do João Cabral. Essa ausência começa a emputecer-me, na medida em que o monte de livros no chão vai diminuindo e já dá para ver que a tal obra desapareceu mesmo. A única explicação é que algum amigo a tenha levado. Quem terá feito isso? Que falta de consideração! Que deslealdade!

Mas, de repente, não mais que vinicianamente, começo a rir sozinho e a pensar: ora, se entre os meus não muitos amigos, especialmente entre os ainda menos numerosos que frequentam a minha casa, há um que goste tanto de João Cabral de Melo Neto a ponto de surrupiá-lo de mim, então não há por que ficar com raiva. Isso é motivo para comemorar, para se abrir um vinho! É sinal de que o Brasil, meus queridos, ainda não está de todo perdido. Tenham um bom dia!

José Luiz Barbosa de Oliveira
Enviado por José Luiz Barbosa de Oliveira em 12/01/2020
Reeditado em 26/05/2020
Código do texto: T6840329
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