O ARMAZÉM
O armazém do Seu Nelson era uma loja grande que vendia quase tudo o que o povo da pequena cidade precisava. Só não vendia roupas e calçados, mesmo assim oferecia botas e botinas para os trabalhadores e algum tipo de avental e macacão de tecido grosso para o trabalho pesado.
Quando minha mãe ou avó precisavam de algum ingrediente para o almoço, me diziam:
“Tita, vá lá no Seu Nelson e me traga um quilo de arroz, de feijão ou de farinha...Diga para ele anotar na caderneta.”
Sim, Seu Nelson anotava e papai ou vovô pagavam no final do mês ao receberem os respectivos salários. Havia muita confiança. Seu Nelson era figura respeitada e seus fregueses velhos conhecidos, amigos, vizinhos. Nunca soube de alguém que tivesse contestado os valores anotados.
Eu ia ao armazém amiúde, seja para comprar algum item esquecido por mamãe ou vovó ou para gastar os trocados que ganhava de papai no final da semana. Não havia bombons refinados ou chocolates em barra naquele tempo. Me fascinava aquele baleiro giratório sobre o balcão, com recipientes de vidro grosso em forma de bolas com tampas coloridas. Havia nelas uma variedade de caramelos, objetos do meu desejo infantil. Nas prateleiras havia balas de goma, chicletes Adams e marias moles em caixinhas de papelão. A loja também tinha um cheiro peculiar de temperos, café recém moído, fumo e bacalhau. Este item ficava dependurado nas portas, junto com réstias de cebolas e alho trançado. No chão, grandes rolos de fumo. Vendia maços de palha cortadinhos em pequenos retângulos que o comprador usava para enrolar seu fumo picado.
Havia paneleiros contendo panelas de alumínio de vários tamanhos e, em outro setor, ferramentas para os mais diversos usos. Caixotes compridos de madeira com divisões acomodavam os cereais que eram pesados na grande balança Filizola, em sacos de papel pardo. A praga do plástico ainda não existia.
Não fazíamos estoques de alimentos em casa porque a loja de Seu Nelson ficava a apenas uma quadra e sempre havia um menino disposto a ir buscar algo para uso mais imediato. Só não vendia alimentos perecíveis que eram comprados na Padaria Estrela ou no Açougue de Seu Leopoldão.
Gostávamos de ir ao armazém porque, às vezes, vovó nos dava o dinheiro para comprar algo e dizia: “Pode ficar com o troco e comprar alguma guloseima.”
Não havia supermercado na época, grande ou pequeno, tudo se resumia ao armazém de Seu Nelson. Frutas e verduras plantava-se em casa. O cardápio era o trivial, nenhum prato sofisticado. Fast food, nem pensar. Ninguém se queixava e a felicidade se resumia às poucas e singelas coisas disponíveis.
Hoje moro longe da cidade de minha infância. Soube que Seu Nelson Sbravatti faleceu em 2018 com quase cem anos e que, enquanto pode, conservou o antigo armazém, do qual cuidava pessoalmente. Teimava em competir com os vários supermercados que se estabeleceram na cidade até que, idoso e doente, fechou as portas.