Aventuras de um pãe de primeira viagem

A notícia logo se espalhou pelo bairro e ele, sempre atento aos olhares da vizinhança, notou que era o assunto nas rodas de conversa aonde quer que passasse.

Também, não era pra menos: estava grávido.

Fato único na história da humanidade, fora contemplado com uma graça (ou desgraça) divina: seria o primeiro homem a conceber um bebê.

Como todos ficaram sabendo, não fazia a mínima ideia. Desconfiou do melhor amigo de infância, pessoa a quem contou em primeira mão a novidade. Mas como sempre ouviu que homem não gosta de fofoca, desconsiderou a hipótese.

Pensou logo em abortar, mas lembrou-se de que desde os tempos em que estava no colegial ou quando fez parte do grupo de jovens da igreja do bairro onde morava fora um defensor da vida. Além disso, sempre dizia que a mulher deveria seguir com a gravidez independente do que lhe tivesse acontecido, exceção lógico se corresse risco de morte. Não poderia ir contra seus princípios.

Resignado, tratou de varrer esse pensamento da cabeça e procurou ocupar a mente pesquisando em sites quais os cuidados durante o primeiro mês de gestação.

Espantou-se, no entanto, pois não havia nada na literatura médica, nos livros de história da humanidade ou mesmo nas tradições orais dos povos originários algo que o ensinasse como proceder em tais circunstâncias: teria que aprender tudo e registrar as descobertas em blocos de notas que providenciara junto a uma gráfica do bairro.

No mais, não havia porque se desesperar. O tempo ensinaria o que deveria fazer de acordo com o desenrolar de cada situação.

A extraordinária notícia em pouco tempo viralizou nas redes sociais e num piscar de olhos repórteres do mundo inteiro queriam saber como tudo havia acontecido: “quais eram os planos do casal para o futuro?”, se ele “estava feliz em ser o primeiro homem a carregar em seu ventre uma criança?”, se a gravidez “havia sido planejada?”, se “já estava pra nascer?”, se ele “queria que o parto fosse normal?”, “quantos quilos havia engordado?”. Perguntas e mais perguntas que não faziam sentido algum, mas notava-se claramente que foram formuladas tão somente para manter o furo jornalístico do ano nos mais diversos programas sensacionalistas.

Desesperou-se. Não tinha habilidade para lidar com os holofotes da fama: tinha pavor de falar em público, esquecia algumas palavras essenciais, trocava o sentido de outras, gaguejava com frequência, uma tragédia. Envergonhado por ter se tornado assunto em todas as partes do globo terrestre, decidiu que não concederia nenhuma entrevista e pediu que todos os repórteres e todas as emissoras de rádio e TV, canais do Youtube e curiosos que desejavam acompanhar o desenlace da narrativa se afastassem de sua residência.

Precisava de privacidade para cuidar melhor de sua alimentação e, mais importante ainda, cuidar melhor de seus pensamentos. Ficava perdido quando se punha a imaginar como explicaria para o filho ou filha como havia sido a concepção, a gestação e o parto. “Meu Deus, e se o parto for normal, o que será de mim?”

Vieram as complicações comuns às mães logo no primeiro mês. A primeira, a mais visível de todas, foi a alteração de humor. Nada o agradava, nada. O sabor dos alimentos, a temperatura, as piadas sem graça dos primos e familiares. Queria mandar tudo às favas, mas por ordem médica suportava com paciência de Jó.

As demais vieram todas de uma vez, para testar sua força de macho: inchaço nas pernas, cólica, dor na lombar, uma vontade recorrente de urinar, mamilos sensíveis e doloridos, náusea, constipação, desejos e aversões alimentares.

“Oh, céus, o que eu fiz para merecer tudo isso?”, pensava em voz alta com frequência.

Surpresa maior, no entanto, ainda estaria por vir. Levado ao posto de saúde para realizar o pré-natal, quase enfartou ao descobrir que seria “pãe” (a enfermeira inventou na hora a palavra em decorrência da falta de um termo específico nos dicionários para semelhante caso) de trigêmeos.

Já não bastava ser o primeiro homem a engravidar, a ser contemplado com um combo de alterações logo no primeiro mês, ser chacota em todas as rodas de conversa?

Desesperava-se ainda mais. Teria que se equilibrar na vida e dar conta de cuidar, amamentar, pegar no colo um por um e esperá-los gorfar, trocas as fraldas, brincar, educar, contar histórias, passear no parque empurrando um carrinho com três assentos, tomar cuidado para não expor as crianças ao sol ou ao vento ou à chuva, ouvir os sábios conselhos de outras mães ou de pessoas entendias no assunto, amamentar novamente, esperar cada uma gorfar novamente, trocar fraldas novamente, cuidados que nos dias de hoje duram até os vinte e cinco anos. OU mais, depende da família.

Nem teve tempo de pensar nos gastos.

Imaginava as olheiras, os bocejos, o sono acumulado. “Oh, céus, o que eu fiz para merecer tudo isso?”.

Tanta foi a pressão e tantos eram os pensamentos que ele acabou dormindo um dia inteiro. Só acordou depois da mulher quase empurrá-lo da cama, depois de ter chamado mais de cinco vezes.

- Onde estão as crianças? -, foi a primeira pergunta que lhe veio à mente.

- Que crianças, homem de Deus?-, respondeu a esposa. –

Confesso a você que preciso ir a uma farmácia comprar um desses testes rápidos...porque você sabe como é, né? Esse mês ainda não veio...

Ainda ressabiado, passou a mão na barriga para certificar-se se estava realmente grávido. Respirou aliviado. Tudo não passou de um sonho.

- Meu amor, hoje não vai ter futebol! Vamos à farmácia, ao hospital conveniado, ao Papa. Se você estiver realmente grávida, quero estar presente em cada etapa e cuidar para ser o melhor pai do mundo.

E foi assim que ele, que nunca havia sonhado em ser pai, descobriu que a vida lhe entregava um lindo presente em suas mãos. Na verdade, foram três, conforme descobriram tempos depois durante a realização do primeiro ultrassom.

Crônica produzida a partir da leitura de O feijão e o sonho, de Orígenes Lessa.

Otávio di Sábatto
Enviado por Otávio di Sábatto em 07/01/2020
Código do texto: T6836741
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