Não sai da minha cabeça a vontade de ser médico

Caminhando pelo campus do Pici, me deparei com um casal que se preparava para fazer uma foto no açude que passa por lá. A senhora, muito simpática, perguntou se eu poderia tirar a tal foto e lógico, aceitei o convite. Percebi que ela não tinha muito habilidade com o celular, mas, nem precisava eu perceber, ela já foi revelando tal fato e, logo seguida, me entregou o celular.

Coloquei o aplicativo da câmera e, assumi o papel de diretor do “book de 2 fotos” do casal. Logo em seguida, aproveitando a cordialidade daquele breve relacionamento, olhei para o açude e informei a eles que ele se chamava “Açude Santo Anastácio”. Ela, mais espontânea, disse que morava ali próximo e, no entanto, nunca soube que era esse seu nome, pois, sempre o conheceu como o “Açude da Agronomia”.

Papo vai e papo vem, informei a eles que fiz Engenharia Mecânica ali no Pici, entre os anos de 1979 e 1984, mas, que em 2017 voltei novamente para o mesmo campus, agora para fazer Física.

Dessa vez foi a vez do tímido senhor falar, ele começou apontando repetidamente para a cabeça dizendo:

_ Com essa idade, nunca saiu daqui a vontade de ser Médico.

Minha reação foi imediata, perguntei a ele sua idade, ele respondeu que estava velho, era aposentado do serviço público e já tinha 63 anos.

Naquele momento cresci, pois, eu não só tinha uma boa palavra de exemplo para confortá-lo, como eu era o próprio exemplo. O senhor sabe qual a minha idade? Perguntei, mas, já fui respondendo, esse ano faço 60 anos.

Ele me olhou didendo “é mesmo?!”. (Naquele momento minha cabeça aproveitou para colocar um pouco de lenha na minha vaidade, e disse a mim que, com essa pergunta em forma de admiração, que ele havia tirado pelo menos 10 anos da minha idade, kkkk).

É sim, portanto, não desista do seu sonho, já que ele é tão importante na sua vida. Continuei, aproveite que o senhor tem mais tempo e não possui planos para viver financeiramente desta carreira profissional. Sua esposa me interrompeu, e complementou minha fala:

_ Eu já disse, você tem tempo, não temos responsabilidade com filhos, já temos nossa aposentadoria. Mas, ele acha que passou sua vez!

Enquanto ela falava, a expressão dele confirmava tudo. Ela fechou sua fala dizendo que ele tinha era vergonha de enfrentar uma sala de jovens.

Eu contei a história de minha tia, professora desde sempre, mas, que por determinação do seu marido (êita tempo escroto!), não pôde entrar na universidade quando jovem, no entanto, obteve sua graduação e, pós-graduação, na faixa dos 70 anos. A vida continuou e, para completar, ele faleceu dependendo financeiramente dela, pois, graças a sua determinação ela se aposentou em melhores condições.

Novamente me senti na sua pele e, tentei quebrar o clima rindo, informando sobre uma realidade que vivo nos meus dias atuais de universidade:

_ Pois entro hoje na sala de aula e, para encontrar minha idade, preciso juntar três alunos, dois com 20 anos e um com 19 anos. Eles me olham, acham esquisito, mas, aceitam numa boa.

Foi neste segundo momento de universidade que melhorei minha informação e visão sobre o mundo de hoje, a juventude e as pessoas que nela habitam.

É na universidade que me livro da mídia que enche as cabeças, em especial dos mais idosos, de violência e medo, dizendo que estão fazendo um trabalho de informação para o povo. Tá, e o mundo só tem coisa ruim? Porque não mostram a galera que atua no crescimento da cultura, da ciência, da medicina, da tecnologia e, nas outras áreas do desenvolvimento humano?

Quando vi que eu tinha me empolgado, parei. Ela acenou positivamente para meu depoimento e ele sentiu algo diferente, que não sei explicar, parecia que pela primeira vez havia encontrado alguém próximo da sua idade, que discordava do seu argumento: Eu tô velho.

Ao final de tudo, acho que todos saíram ganhando. Conversa boa, foto tirada, informação sobre o açude recebida e uma injeção de ânimo gratuita, onde tanto o paciente quanto o profissional foram beneficiados.

jrogeriobr
Enviado por jrogeriobr em 07/01/2020
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