Guerra e grilos

Os jornais do mundo, inclusive o The New York Times, andam noticiando a possível chegada de uma Terceira Guerra Mundial, motivada por tensão entre os EUA e Irã. O Mercado recebeu a notícia muito preocupadamente: o índice Ibovespa, o dólar, o preço do petróleo têm sido influenciados diretamente por essa eventual guerra. O Brasil ainda não se posicionou acerca de que lado, se acontecer o conflito, estará: se com os americanos ou com os iranianos. Eu, reservista, espero que a possibilidade continue assim, sendo possibilidade; não venha a ser fato.

Espero que a Terceira Guerra Mundial seja apenas ato sensacionalista de governos preocupados em fazer do mundo laboratório de terror, espaço cênico de especulações. Do contrário, se convocado, que desculpas darei para a dispensa aos interesses de meu país? Poderei alegar inabilidade com as artes da Guerra? Minha inaptidão inveterada para manusear armas de aço e vestir uniformes? Meu senso comum de riso ante a insignificância de ato tão animalesco e brutal quanto é esse de guerrear em um mundo pós-moderno? Poderei enviar, em meu lugar, esses grilos barulhentos que alongam a noite e encurtam o dia; que conhecem, como poucos humanos, a arte da guerra?

Eu, que mal sei dar cambalhota, em minhas inabilidades marciais belicosas, não duraria nas trincheiras, mas esses grilos que adornam as brechas aqui de casa e fazem da noite um baile, certamente fariam estrago enorme nas trincheiras. Com seu "cri'', "cri" infernal, deixariam os adversários grilados e insones; como excelentes em esconder-se, dificilmente seriam encontrados à noite e, durante o dia, quase impossível de serem vistos; resistentes ao frio, harmoniosos ao calor,

adaptar-se-iam com facilidade a uma guerra seja ela guerreada no Polo Norte, seja no Saara Sul; têm dieta simples, baseada em restos de insetos, plantas, evas etc., sem falar que em algumas culturas grilos são considerados como sinônimos de boa sorte, o que vem a calhar quando o assunto principal é sair-se vitorioso de uma guerra.

No terreno econômico, o Governo teria ganhos positivos se aceitasse a proposta de enviar, em vez de humanos à Guerra, grilos. Muitas famílias não seriam indenizadas pelas perdas de entes queridos; os dispêndios com alimentação, moradia, armamentos, tendo em vista o "modus vivendi" dos grilos, seriam diminuídos significativamente; nossas fabricas continuariam a pleno vapor, produzindo e exportando para as nações em Guerra; nossa balança comercial, o índice Ibovespa, a inflação controlados. Talvez saíssemos da condição de Terceiro Mundo, para a de segundo Mundo em Potencial, o que é ótimo para analista do "Risco Brasil".

É verdade que muitos dos nossos grilos não voltariam da Guerra vivos. Não sei se isso seria uma má notícia, pois já temos em nossas casas câmeras de segurança, cerca elétrica, arrame farpado, alarmes para protegê-la, sendo que os grilos estão sendo preteridos na função de vigia, função que nunca desempenharam, relegando-a aos cachorros e gatos domésticos. Se serve como consolo, porém, segundo cientistas, grilos vivem ''pouco''; têm geralmente de quatro a seis meses de vida — e com ou sem guerra, a vida passaria ligeiramente para eles, mas com um propósito bem definido, que não tornar o mundo insone e as noites mais escuras e longas do que essencialmente já são.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 04/01/2020
Reeditado em 04/01/2020
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