As águas milagrosas do Porto Velho
Crônica XXIX
O que mais me desgosta nas tardes modorrentas é ter de ficar parado na frente do ventilador capenga e receber na cara o bafo de verão. Pois é, folga de pobre é assim, nada de praia ou piscina, melhor então buscar história pra contar.
Dizem que um dos maiores mistérios da vida é saber que a mente da gente faz essas conexões automáticas, nem precisamos procurar motivo, e surge então uma ideia. Veja aí, pensei em água para relaxar e lembrei da fonte refrescante da Paróquia da Nossa Senhora das Graças. Atentei para alguns momentos singelos nas fotos do meu celular e recordei do casamento dos queridíssimos amigos Thiago e Marcelle. Pois é, nada melhor do que deixar a cabeça trabalhar para o bem, não é mesmo? Lembrando do casal amigo no altar e a linda abóbada da construção católica, resolvi ligar para a igreja e pesquisar. Resultado: o rapaz simpático da secretaria se prontificou a me ajudar.
— Oi, me chamo Erick, escrevo sobre os bairros de São Gonçalo. Você pode me dar umas informações?
Necessário reconhecer que o secretário da Paróquia, o ex-seminarista Jeferson, se prontificou de súbito. Rapaz bacana, abriu espaço na agenda e me acompanhou naquele passeio pela construção histórica, de onde o prefeito José Luiz Nanci não arreda o pé. Narrativas aos montes surgiram, e tudo motivado pela lembrança do enlace matrimonial dos meus amigos e da fonte milagrosa do Porto Velho. Eis aí, alguns relatos bem interessantes:
Primeira história - a fundação da igreja de N. S. das Graças
A história da paróquia teve origem a partir da descoberta da mina de água cristalina surgida no alto do morro no Porto Velho. Aconteceu antigamente, solo pouco habitado e de pH sobremaneira acre. Lavradores furaram o chão e a água brotou de súbito. Seria um milagre? Acreditavam que sim. Principalmente, devido à ausência de poços na região composta de terra seca, sequíssima - e a improvável nascente deu os ares da Graça. Primeiro, vieram os capuchinhos, depois os franciscanos e, por fim, os diocesanos. De lá pra cá, a igreja vem crescendo. Milagres são relatados, inúmeros fiéis visitam a paróquia para agradecer e insuflar a fé municipal.
Segunda história - a imagem do rosto da santa
De acordo com as explicações, a imagem de N. S. das Graças despencou de uma altura de mais ou menos 7 metros, por causa de um desmoronamento da arquitetura. A imagem esfacelou. Todo o corpo da estátua se transformou em caquinhos espalhados pelo chão da igreja. Contudo, de acordo com o ocorrido, o rosto da santa (a parte que seria a mais frágil) se manteve intacta - e a face da santa do Porto Velho se encontra agora emoldurada e presa à parede da nave clerical.
Terceira história - o incêndio da igreja
Um dos pontos mais complicados de abordar nesta narrativa trata do incêndio do prédio central da igreja N. S. das Graças. E quando digo que essa é uma enorme complicação, refiro aos dramas e traumas que o fogo talvez possa ter acarretado nas vidas das pessoas. Uns dizem haver nada que eu possa falar sobre as queimaduras na época. Outros juram que sim. Pensei em entrevistar possíveis testemunhas, mas desisti. Inconveniência da minha parte. Entretanto, está aí uma das histórias do tradicional Porto Velho.
Lembremos que um montão de gente costuma visitar a paróquia a cada data de aniversário da N. S. das Graças. Pois é, inúmeros fiéis saem com a fé renovada. As missas semanais também são frequentes e a comunidade interage com gosto. Bem, creio que já é o suficiente por hoje. Mas lembro que, antes de sair, acenei e sorri para o solícito Jeferson em sinal de agradecimento. Sim, despedida respeitosa. Contudo, necessário fazer uma breve oração antes de ir embora, beber dois goles da fonte e deixar o meu pedido na urna da capelinha. Só assim, quem sabe, mais um milagre resolva acontecer!