UMA "PROMESSA"NUM BANCO DE PRAÇA


                 (PEQUENAS CRÔNICAS DO COTIDIANO)

Sempre que posso, na parte da manhã, adentro à Igreja matriz de São Miguel em minha cidade.
Naquele silêncio de templo onde na maioria das vezes reina apenas a minha presença, faço minhas orações, pedidos e agradecimentos.
Uma energia vai aos poucos me tomando conta e saio dali  num quase estado de graça.
Hoje (02 de janeiro/2020) não foi diferente.
Subi lentamente as escadarias e quando adentrei,pude perceber não ser o único naquele templo.
Sentei-me no primeiro banco (o último à quem visualiza o templo a partir do altar) e permaneci ali por um bom tempo.
Tinha a meu dispor uns 40 minutos até chegar ao meu local de trabalho.
Ao lado esquerdo do templo, um presépio armado, parecia encantar uma senhora aparentando uma idade já bem avançada.
Magra, alta, cabelos acinzentados... Tinha uma postura elegante e com certa desenvoltura fotografava pelo celular, o presépio e alguns ângulos da igreja que, de fato, é muito bonita.
Filtrado pelos vitrais , o sol da manhã banhava em cores alguns trechos do templo e os arranjos florais e pinheirinhos ganhavam tonalidades vibrantes.
Não demorou e a senhora de quem falei, inclinando-se em reverência ao altar foi tomando o caminho de saída.
O toc toc dos saltos dos sapatos maculavam o silêncio da manhã que cheirava a acácias.
Arrastava uma mochila de rodinhas, trazia uma bolsa a tiracolo e outra bolsa delicada pendurada no braço.
Passou por mim na maior indiferença, ainda que meus botões - sempre inconvenientes - confabulassem entre si sobre a elegância e a beleza da enigmática senhora.
Depois que ela deixou a igreja,fiquei um bom tempo ainda em minhas divagações e orações.
Quando saí, olhando o relógio percebi o que ainda tinha a meu dispor em horário, uma vez que meu local de trabalho fica próximo à igreja.
Instintivamente, cruzando a rua, sentei-me num dos bancos de uma praça logo em frente.
As acácias, imperdoáveis, ungiam a cidade.
Ali sentado, na maior cara de paisagem, a rua deserta, algumas curucacas fazendo algazarra sobre os telhados e eu tecendo planos para o novo ano.
Tudo tão monótono, quase melancólico...
De repente algo sobre um dos bancos me chama à atenção:
Curioso vou ver do que se trata.
Então...
Um frasquinho de um perfume muito antigo, deixado por esquecimento.
Uma vez mais os atrevidos botões confabularam-me:
-Só pode ser da “velhinha” faceira que espiava o presépio. È a cara dela !
Não sei. Talvez eles estejam certos, pensei  comigo.Abri, aspirei e uma vez mais viajei na maionese.
O cheiro remeteu-me a lugares que sequer conheço, a emoções que sequer vivi.
Exageros à parte, era como se eu estivesse retornando de um outro plano.
Tudo o que sei é que estão guardados comigo, o frasco e a caixinha em cuja parte interna da tampa consta o registro de uma data: 28/02/2001.
Segundo o dito popular de que “achado não é roubado”, agora o misterioso perfume me pertence.
Pelas ruas de pouco movimento , busquei a figura da misteriosa senhora, a quem eu devolveria o achado caso lhe pertencesse.
Não a encontrei.