"CERVEJAS & GASOSAS"

                   (JOGANDO CONVERSA FORA)

Um calor infernal.Nena e eu almoçávamos .
Devidamente “enfarados” das comilanças da noite anterior,optamos por umas saladinhas, sobras de pernil, arroz “imaculadamente branco” e uma skol estupidamente gelada, até porque ninguém é de ferro.
Dona Nena, afrescalhou-se e foi almoçar na varanda onde um ventinho maroto ajudava-lhe em seu projeto de “afrescalhamento”.
Preguiçoso,  eu permaneci na cozinha.
Vieram-me, naquele silêncio quebrado tão somente pela cantilena de um sabiá pelo quintal, algumas lembranças de priscas eras.
[ Lembranças ? Isso lá é novidade ? rsrs... ]
Então...
A figura de meu pai ressurge na sépia do tempo trazendo alguns engradados:
Cerveja (Brahma era a sua predileta) para os adultos.

Só “pros mais velhos”, enfatizava.
Gasosas e a famosa “Laranjada Cini” que fazia a alegria da galera de pouca idade.
Na ante véspera das festas de fim de ano, chegava um velho caminhão descarregando uma encomenda de gelo.
[ Eram algumas barras de gelo misturadas a camadas de serragem ]
Iam, as bebidas e eventualmente uma melancia , para a tina de gelo. Não havia rede elétrica no local onde morávamos , assim a possibilidade de se ter um refrigerador surgiu muito tempo depois. Por esta razão,o ritual das bebidas e frutas no gelo tinham algo de nobre.
No dia primeiro de janeiro, era decretada uma perene alegria  em nossa casa que ,segundo minha mãe, resultaria num ano cheio de paz, harmonia e...Alegria, evidentemente.
[ Tadinha ! Nem sempre suas expectativas cumpriram-se em 100% ]
A mesa arrumada à sombra das pereiras, por vezes ladeada de alguns parentes e amigos, em outras apenas os de casa, mas a dita alegria reinando sempre, apesar de toda a singeleza que sempre permeou nossa existência.
O leitãozinho saía da fornalha com o courinho à pururuca estalando pelo trecho até chegar ao destino.
Era servido na mesma forma  de lata em que fora assado.
Os demais acompanhamentos dispersos pela mesa e as geladíssimas !
Cervejas e gasosas.
Aos meninos do meu tempo aquilo era de uma grandeza indescritível ! Afinal não era sempre que se tínha a chance de sorver aquelas delícias.
Eram coisas para datas especiais e talvez por isso exerciam tamanho fascínio.
Agora , estupidamente gelada, esta cerveja "que desce redondo", transporta-me para aquela mesa onde tudo era sorriso, tudo era alegria.
Não !
Não é uma lembrança triste. É o resgate de um tempo em que ensinaram-me a valorizar as coisas simples, torná-las grandiosas, amar aquilo que é possível e sonhar...
Sonhar com tudo o que nos for de direito e se uma pequena parcela destes sonhos concretizar-se, já estaremos no lucro.
Aquela “Laranjada Cini” (que nem sei se ainda existe)  impregnada na memória, adoçou-me as recordações, instigou-me o paladar.
Abro a geladeira e tudo o que encontro neste sentido é uma jarra de "Tang" sabor laranja.
Vou ingerindo a preciosidade com a boca do menino que extasiava-se à gasosa de laranja.
Quando não se tem cão, caça-se com gato.Reza o dito popular.

Foi o que fiz.
O dia é quente e azulado.
Canta um sabiá em meu quintal e , defronte a geladeira, por instantes recrio a mesa sob as pereiras onde a alegria era perene, e as pessoas ensinaram-me que a vida foi feita para sonhar, sonhar e sonhar...
Entre um gole e outro do refresco, dou-me o direito de... viajar na maionese.
Vai que dê certo !?