REENCONTRO

São 2:24. Acabo de chegar de meu primeiro baile. É, estou fazendo aulas de dança de salão. Às sextas-feiras, a escola em que pratico promove bailes. Hoje estreei, com direito a friozinho na barriga como nas tradicionais estréias.

A dança sempre fez parte de minha vida. Criança, ganhei até concurso de lambada na marítima cidade de Canavieiras. Mais tarde o ballet clássico me escolheu, depois, a dança contemporânea. Até que a vida me impôs uma escolha: a dança ou a faculdade e o trabalho; o sonho ou a realidade. Obriguei-me à realidade. É verdade que a dança podia ter feito parte da realidade, mas não deu, talvez por incompetência minha para equacionar o tempo. Confesso que tentei encontrar a equação para incluir a dança em minha nova realidade.Não foram poucas as vezes em que me dirigi à mesma escola onde hoje pratico buscando um horário de aulas que se encaixasse na minha corrida agenda. Buscas infrutíferas. A cada ida, crescia a certeza de que o destino tinha arrancado de vez o sonho da minha realidade.

Com o passar do tempo, consolei-me com o amor pela carreira que eu escolhera, mas que não substituíra o amor pela dança. Passei a enganar minha fome pela dança petiscando nas poucas festas em que ia, nos espetáculos de companhias, no silêncio de meu quarto, nas asas de minha imaginação.

Sempre dizia a mim: quando me formar volto a dançar. Formei-me há um mês e cumpri a promessa, como poucas vezes fiz.

Escolhi a dança de salão, primeiro, porque não tenho disponibilidade para a disciplina que o ballet exige nem forma física para desempenhá-lo com a melhor técnica. Segundo, para satisfazer um antigo desejo.

Na primeira aula, senti-me em casa. Como soa bem a contagem do oito e do um, dois, três. Depois da aula, não pensava em outra coisa senão nos passos aprendidos, no contato resgatado. Senti o antigo medo de ter a dança fora de minha vida. Quando era criança, meu pai ameaçava tirar-me das aulas de ballet quando eu fazia dele a única coisa em minha vida e cumpriu a ameaça por duas vezes, para minha grande tristeza. A minha felicidade de voltar à dança e torná-la foco de atenções fez surgir o medo de que como na infância houvesse um pai para ameaçar tirar-me da dança se o sonho começasse a atrapalhar a realidade.

Coitados dos que me rodeiam, a dança virou assunto topo de pauta. Nos tempos vagos, os sites de busca na Internet correm atrás de informações sobre a dança de salão. No orkut, tratei logo de me inteirar sobre as comunidades relacionadas ao tema. Sou mesmo muito intensa em tudo que faço. Acho que aprendi com meu irmão, para quem tudo é questão de vida ou morte. Nesse caso, era mesmo vida ou morte.

Ansiei muito esse primeiro baile e agora sei que não ansiei à toa, ele foi muito mais do que eu esperava. O baile foi um reencontro comigo mesma. Foi um reencontro até mesmo com minhas companheiras palavras, essas palavras que agora escrevo.

Ver casais rodopiando, apaixonados, cavalheiros e damas vivendo o amor um pelo outro, ambos, bailando o amor pela dança, fez-me adentrar uma aura de plenitude. Encontrei mais um lugar para mim: o salão, talvez o preferido.

Por vezes, eu e um dos cavalheiros com quem dancei parecíamos flutuar; fazíamos desaparecer os presentes a cada rodopio. Não, não, era eu quem fazia desaparecer os presentes, era eu quem flutuava, eu dançando comigo mesma, eu e o outro eu nos reencontrado para sermos um só, para que eu fosse eu outra vez. Isso me faz chorar, sensação de ter perdido tempo, ter andado contra o tempo, ter fugido de mim mesma.

Admiro aqueles que não se perdem de si mesmos, que não dançam na vida, mas sim dançam a vida. Eu estou voltando a dançar a minha vida e recomeçarei a dançar a cada música finda, a cada cananga que finalize o passo, a cada parada que a vida der.