Tropa de Elite - Fascismo e Terrorismo de Estado
O filme “Tropa de Elite” merece os meus parabéns.
Não se trata da fotografia, da produção, da qualidade do roteiro ou da direção do filme, que estão magníficos. Trata-se tão somente do conteúdo do filme, com suas cenas e sua história da guerra do BOPE, representando todos os grupamentos de mesmo estilo no Brasil, contra os “donos da favela”.
Com certeza muitos estarão aplaudindo o parágrafo anterior, mas pelos motivos errados.
Não estou parabenizando o tipo de ação dos policiais do BOPE, do Capitão Nascimento e sua turma. Estou parabenizando a coragem do filme em expor a tese e o posicionamento fascista impregnado em boa parte do povo brasileiro, a partir da classe média alta, sobretudo, contaminados por um discurso terrorista de parte da mídia em sua desenfreada defesa do “olho por olho, dente por dente”, mas de forma bastante assimétrica.
Ao terminar de assistir o filme, mais uma vez, dessa vez em família, eu tive enjôo, enquanto a apoteose da tortura e do terrorismo de Estado seduzia os que estavam a minha volta, que agora estavam convencidos dos dois argumentos centrais do filme: todos que são vítimas da polícia são bandidos e bandido bom, é bandido morto.
Ora, fiquei pensando eu, pra que lei então? Basta algumas centenas de “Capitães Nascimento” entre nós, com total autonomia e liberdade para matar e todos os nossos problemas estarão resolvidos.
Mas me veio à mente que os grupos de extermínio, como o BOPE, existem no Brasil desde a década de 1920, institucionalizados ou não, e no mundo, desde sempre. Por que o problema da criminalidade não está resolvido então?
Lembrei-me também das cenas narradas no livro de Foucalt*, em que cavalos puxavam os membros do condenado amarados por correntes, até que tais membros fossem arrancados, com a ajuda de alguns cortes de lâmina e algumas torcidas nos membros feitas pelos carrascos, para ajudar no trabalho que os cavalos não mais suportavam.
O filme demonstra claramente que o clima de guerra é essencial à manutenção da política de extermínio, bem como, que o sistema é o responsável maior pela manutenção daquela tragédia social.
A divisão maniqueísta entre “morro” e “cidadãos de bem” fica nítida até ao espectador mais desatento. E não se trata de criminalização apenas dos que têm envolvimento com o crime, mas de criminalização de todos do morro, da favela, inclusive dos reféns da violência, encurralados entre terrorismo das quadrilhas e o terrorismo de Estado, com a diferença de que o primeiro só reage contra o cidadão comum quando desafiado.
Não, não se trata de fazer uma defesa da criminalidade, mas tão somente uma constatação de quem observa o fenômeno de desumanização dos membros daquele grupamento terrorista de Estado, em contraposição ao terrorismo seletivo daqueles que conseguem enxergar em suas vítimas mais imediatas um semelhante, um igual.
As cenas do treinamento daquela tropa são emblemáticos do processo de desumanização, pois que trabalha com a “psique” de forma bastante descarada, construindo um clima de uma consciência de revolta permanente no novo terrorista de Estado, através dos mesmos métodos pelos quais se construíam os carrascos do exército nazista, responsáveis pelas execuções de comunistas, judeus e ciganos nos campos de concentração da Alemanha do III Reich.
Humilhação, privação, dor, desgraça e sofrimento são as ferramentas centrais na construção desse novo soldado do crime institucionalizado, que é levado à compreensão de que é necessário tudo aquilo, porque o inimigo é responsável por toda aquela humilhação e degradação pela qual ele passa e por coisas ainda piores, que se ele não evitar por meio do extermínio do estereótipo do inimigo, ele estará alimentando-o, contra si mesmo.
O tratamento exclusivamente por números, ignorando nomes e despersonalizando o tratamento, faz parte do método, que retira qualquer característica de humanidade da função transformando em máquinas, autômatos do terrorismo, desprovidos de sentimentos, aqueles que serão responsáveis pelo extermínio dos “inimigos”.
É fácil perceber que essa construção de um terror psicológico artificial e permanente na mente de cada novo soldado leva-o à desconsideração absoluta de qualquer valor positivo à vida humana, que passa a ser descartável, sem qualquer significado maior.
Observamos isso em dois momentos marcantes do filme: no momento em que o terrorista central do filme deixa um garoto que ele fizera apontar o bandido em frente ao mesmo, correr para a morte, intencionalmente; quando a morte de um companheiro de farda vira simples ferramenta na construção da mentalidade de inimigo em outro aspirante, bem como de desculpa para mais uma sessão de tortura e chacinas.
A violação de todos os direitos fundamentais do indivíduo, como o domicílio, a vida, a integridade física, a dignidade da pessoa humana, são o elemento central da apologia ao terrorismo feita pelo filme.
Nas cenas, nos parece que a tortura é o melhor remédio para o combate à criminalidade. Mulheres espancadas e submetidas à asfixia é um excelente mecanismo de busca pela verdade. E os tiros pelas costas são a apoteose da vingança da classe média contra os seus inimigos da favela.
E o pior da história: O filme é capaz de esconder, ao menos ao espectador médio que a prática adotada é a equiparação completa e absoluta do Estado e da sociedade que ampara e aplaude tais ações, às práticas e aos agentes que pretendiam combater.
E mais uma vez os mais pobres, já submetidos a condições indignas de moradia e de vida, são colocados como o inimigo dos “cidadãos de bem”, que merecem a tortura e a morte. E os de origem em classes remediadas que se aproximam, não passam de traidores que merecem o mesmo caminho para o além, mas com um outro tratamento das forças de Estado, pois que não pertencem diretamente às classes a serem combatidas e exterminadas.
E como dito no início, o filme mostra bem a lógica de combate e extermínio aos “donos da favela”, com o detalhe de que os “donos da favela” são todos os seus moradores.
* FOUCALT, Michel. Vigiar e Punir.