Epifania

Quando criança eu costumava metaforizar coisas para tentar explicar o que não compreendia, ou talvez fosse uma forma de encontrar algum alento contra o medo e a angústia que o desconhecido me causava. Coisas de criança que, quando adultos, tentamos disfarçar para esconder do mundo e, sobretudo de nós mesmos, nossas fragilidades.

Hoje vi no muro um grilo verde, e por alguns instantes pude viajar a um tempo que cada vez me parece mais distante, o tempo de infância.

Lembrei-me que sempre que via um, sentia-me inundada por uma animação plena. Eu acreditava que ver um grilo verde era sinal de sorte, ou que tudo daria certo, ou que algum desejo se realizaria...

Na personificação da ingenuidade infantil, o grilo era uma forma de ESPERANÇA.

Um dia, com uns seis anos de idade, achei uma esperança no jardim levei-a para dentro do meu quarto, ela não me deixou dormir com seu ruído insistente. Achei por bem levá-la para fora e o fiz com o coração partido, pois queria a esperança perto. Fico pensando no que aconteceu com ela, teria morrido?

Aquela esperança de um verde tão vivo no muro, acordou em mim a criança da qual já havia me esquecido. Fiquei grata, queria ajudá-la a ir para um lugar menos hostil: Esperanças e muros não se pertencem. Mas não toquei nela por medo de machucá-la, tão frágil que era, e que paradoxo: em um muro tão grande era impossível não vê-la.

Deixei a esperança lá, entregue a própria sorte. Provando a si mesma que conseguiria o impulso para chegar ao outro lado, onde embaladas ao vento, as folhas verdes do milharal esperavam cheias de promessas.

De repente, sorrateiro, aparece um gato. O felino olha fixamente a frágil criatura verde no muro, ele sabe que se agarrá-la, pode brincar com ela até que perca suas forças para no fim , tirar-lhe a vida.

O gato representa para a esperança naquele momento duas perspectivas: a motivação de conseguir o impulso necessário para transpor o muro, ou sua sentença de morte.

Mas esperança que se preze não morre assim, não se entrega fácil. Então, ao sentir o pulo do gato, a esperança pulou para a vida, em uma aerodinâmica que só ela consegue quando se vê ameaçada.

Diz o ditado que "a esperança é a última que morre", não concordo, ela é a penúltima que morre, pois quando morre a esperança, morre o próprio ser, sua força, seu ânimo, sua fé...

Voltei a entender algo que já sabia quando era criança, mas esqueci por culpa da racionalidade: Os muros podem ser muito altos, a realidade pode ser ameaçadora, mas a Esperança só morre, quando não acredita na força latente, no nome interno de sua essência capaz de lançá-la para uma nova vida.

A Esperança mora no horizonte, ande dois passos e ela se distanciará dois passos, ande mil léguas e ela se distanciará mil léguas. Para que serve então a Esperança? Serve para isso, para nos fazer caminhar.

Gi Luz
Enviado por Gi Luz em 28/12/2019
Reeditado em 23/11/2020
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