Telefones e Transformações
Em 1958, em Itabaiana, na minha casa, ainda não havia telefone. Vi um desses aparelhos, no bureau do Gerente do Banco do Brasil, que era vizinho à loja do meu pai, Inácio Ramos, arguto comerciante, bastante informado do “movimento” naquela suntuosa casa creditícia da Avenida Presidente Epitácio Pessoa. E lá estava ‘seu’ Elias Cavalcanti, gerenciando o banco e atendendo aquele mostrengo, tão bem feito que se assemelhava a uma coisa de porcelana; parecia uma das maravilhas da tecnologia. Era o que eu fazia com duas latas de manteiga Turvo, dois palitos e um longo cordão, que só proporcionavam telefonia a dez metros de distância. Com aquele, não, o Gerente poderia falar com a Capital. Hoje, senti saudade dos telefones da minha infância. Naqueles tempos de menino, os telefones de verdade eram de uso exclusivo de gente adulta, séria, jamais deveriam ser brinquedos de menino, e o do banco somente admirar à distância. Deus me perdoe, mas comparava-se aquele pomposo instrumento com disco de cor de ouro com o cálice do Padre João Gomes da Costa, tão celebrado no meio do altar. O gerente fazia que assim se acreditasse, até atendia o seu chamado com ritualísticos gestos.
Os bancários usavam também paletó, gravata e sapatos “fox”, mas somente o gerente tinha poderes de falar pelo suntuoso telefone. Talvez houvesse algum funcionário querendo ser gerente apenas para ter semelhante prestígio. Quanto ao Gerente, bastava somente um toque, o telefone não o fazia de rogado, logo estava aquela autoridade, sorrindo, de mão estendida. Exceção dada ao ‘seu’ Alencar que, vez ou outra, como se fosse um médico da família, vinha tirar a rouquidão daquele aparelho, dar-lhe de volta a sonoridade da campanhia e fazer-lhe a higiene necessária. Não faltava ao tal telefone algum mimo, era o luxo daquele banco. Somente, muito depois, em 1960, disputava eu com Luiz Couto, no Seminário, poder ficar na Portaria, tomando conta do telefone daquele internato e chamar geralmente o Reitor, que descia do primeiro andar até ao prestigioso aparelho.
Agora, faltando apenas dois dias para 2020, esses telefones quase não existem mais. No tal Banco, até os gerentes se multiplicaram e sem algum telefone à mesa, em pequenas cabines. Os telefones estão nas mãos dos clientes, sejam os em atendimento, sejam os que restam à espera. Telefones espalhados pela China às mãos do povo, à gente das camadas populares, e sobretudo à elite. Telefones que falam, cantam, riem, fotografam, fazem filme e sobretudo mentem, não seguindo o bom exemplo dos telefones antigos. Hoje, castigo de criança desobediente é ser privada do uso do seu telefone celular. Nos restaurantes, enquanto pais estão bebendo e comendo, os filhotes se entretêm com seus celulares. O celular é tudo, até babá para distrair filhos, desocupando seus pais. Hoje fui ao Banco, onde encontrei treze pessoas esperando atendimento: Uma cochilando, outra lendo jornal e onze, com olhar fixo, ostensivamente cativas, presas pelo celular.
Não, não era assim, nos tempos daquele enorme telefone, na mesa de um único gerente, naquele Banco do Brasil, de poucos clientes, de pouco dinheiro e de muito pouco telefone. Contudo, todos pareciam mais felizes e menos apressados do que os gerentes, os bancários e os clientes de hoje. Os telefones se transformaram e se multiplicaram, também em infinita quantidade os telefonemas, as fotografias, os WhatsApps e os e-mails. As comunicações não são tantas, pois muitas das ligações são você falando consigo mesmo... Tudo vem mudando numa velocidade incrível, tais coisas mudam mais do que as pessoas, substituindo as pessoas, os bancários, os gerentes, as profissões. Os telefones, em cada instante, transformam-se e tornam-se capazes de coisas incríveis. São eles que mudam ou somos nós que mudamos nesse acelerado tempo?
Em 1958, em Itabaiana, na minha casa, ainda não havia telefone. Vi um desses aparelhos, no bureau do Gerente do Banco do Brasil, que era vizinho à loja do meu pai, Inácio Ramos, arguto comerciante, bastante informado do “movimento” naquela suntuosa casa creditícia da Avenida Presidente Epitácio Pessoa. E lá estava ‘seu’ Elias Cavalcanti, gerenciando o banco e atendendo aquele mostrengo, tão bem feito que se assemelhava a uma coisa de porcelana; parecia uma das maravilhas da tecnologia. Era o que eu fazia com duas latas de manteiga Turvo, dois palitos e um longo cordão, que só proporcionavam telefonia a dez metros de distância. Com aquele, não, o Gerente poderia falar com a Capital. Hoje, senti saudade dos telefones da minha infância. Naqueles tempos de menino, os telefones de verdade eram de uso exclusivo de gente adulta, séria, jamais deveriam ser brinquedos de menino, e o do banco somente admirar à distância. Deus me perdoe, mas comparava-se aquele pomposo instrumento com disco de cor de ouro com o cálice do Padre João Gomes da Costa, tão celebrado no meio do altar. O gerente fazia que assim se acreditasse, até atendia o seu chamado com ritualísticos gestos.
Os bancários usavam também paletó, gravata e sapatos “fox”, mas somente o gerente tinha poderes de falar pelo suntuoso telefone. Talvez houvesse algum funcionário querendo ser gerente apenas para ter semelhante prestígio. Quanto ao Gerente, bastava somente um toque, o telefone não o fazia de rogado, logo estava aquela autoridade, sorrindo, de mão estendida. Exceção dada ao ‘seu’ Alencar que, vez ou outra, como se fosse um médico da família, vinha tirar a rouquidão daquele aparelho, dar-lhe de volta a sonoridade da campanhia e fazer-lhe a higiene necessária. Não faltava ao tal telefone algum mimo, era o luxo daquele banco. Somente, muito depois, em 1960, disputava eu com Luiz Couto, no Seminário, poder ficar na Portaria, tomando conta do telefone daquele internato e chamar geralmente o Reitor, que descia do primeiro andar até ao prestigioso aparelho.
Agora, faltando apenas dois dias para 2020, esses telefones quase não existem mais. No tal Banco, até os gerentes se multiplicaram e sem algum telefone à mesa, em pequenas cabines. Os telefones estão nas mãos dos clientes, sejam os em atendimento, sejam os que restam à espera. Telefones espalhados pela China às mãos do povo, à gente das camadas populares, e sobretudo à elite. Telefones que falam, cantam, riem, fotografam, fazem filme e sobretudo mentem, não seguindo o bom exemplo dos telefones antigos. Hoje, castigo de criança desobediente é ser privada do uso do seu telefone celular. Nos restaurantes, enquanto pais estão bebendo e comendo, os filhotes se entretêm com seus celulares. O celular é tudo, até babá para distrair filhos, desocupando seus pais. Hoje fui ao Banco, onde encontrei treze pessoas esperando atendimento: Uma cochilando, outra lendo jornal e onze, com olhar fixo, ostensivamente cativas, presas pelo celular.
Não, não era assim, nos tempos daquele enorme telefone, na mesa de um único gerente, naquele Banco do Brasil, de poucos clientes, de pouco dinheiro e de muito pouco telefone. Contudo, todos pareciam mais felizes e menos apressados do que os gerentes, os bancários e os clientes de hoje. Os telefones se transformaram e se multiplicaram, também em infinita quantidade os telefonemas, as fotografias, os WhatsApps e os e-mails. As comunicações não são tantas, pois muitas das ligações são você falando consigo mesmo... Tudo vem mudando numa velocidade incrível, tais coisas mudam mais do que as pessoas, substituindo as pessoas, os bancários, os gerentes, as profissões. Os telefones, em cada instante, transformam-se e tornam-se capazes de coisas incríveis. São eles que mudam ou somos nós que mudamos nesse acelerado tempo?