Juiz de Garantias
Vemos hoje, 27/12/19, na mídia:
O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, disse ao Estadão/Broadcast que a criação da figura do juiz de garantias é uma "inestimável conquista da cidadania".
"Penso que a figura do juiz de garantias constitui inestimável conquista da cidadania, pois, além de assegurar a necessária imparcialidade do magistrado, representa a certeza de fortalecimento dos direitos e garantias fundamentais da pessoa sob investigação criminal", disse Celso de Mello ao Estado, em nota.
A lei anticrime sancionada por Jair Bolsonaro - à revelia do ministro da Justiça Sérgio Moro - prevê que "o juiz de garantias deverá conduzir a investigação criminal, em relação às medidas necessárias para o andamento do caso até o recebimento da denúncia. O prosseguimento da apuração e a sentença ficarão a cargo de um outro magistrado", conta a reportagem.
Vejamos que o Ministro Celso de Mello considera uma conquista da cidadania. Menciona assegurar a imparcialidade do juiz e a certeza dos direitos e garantias fundamentais da pessoa.
Quem viveu, por dentro, os processos da Lava Jato conduzidos pelo então juiz titular da 13a Vara de Curitiba, Sergio Moro, seja em que nível for (réu ou não), sabe muito bem o significado das palavras do decano do STF. Se há agora a criação do juiz de garantias a merecer esse comentário do ministro é porque algo estava a faltar no nosso ordenamento jurídico, pois não?
Ora, se não é exatamente o que sempre reclamaram acusados e suas defesas sobre a falta do amplo direito de defesa, a falta de paridade com a acusação, a extração dos direitos constitucionais, a suspeição do juiz e sobre a falta de imparcialidade na condução dos processos. Seguramente, todos – e estamos a dizer: todos – os processos da Lava Jato têm esse tipo de alegação nos seus autos, sempre denegadas pelo Juízo da 1a instância, mas lá estão.
É notória a banalização das prisões preventivas nessa Operação, por tantos juristas criticada (inclusive membros do STF mais “garantistas”), antes mesmo do oferecimento da denúncia e da instauração do processo. Basta ler o decreto prisional assinado por Sergio Moro para se ver o prejulgamento assinalado e evidente na sua decisão. Usa e abusa do jargão “cognição sumária” nos seus textos de decretação, que nunca mais poderão se desfazer, mesmo quando as provas, reais e concretas, não sobrevêm na instrução do processo.
É esse mesmo juiz, que prejulgou na decretação da prisão cautelar, o que vai instruir e conduzir o processo penal e que depois vai julgá-lo. Como esperar imparcialidade? Ele, na sua certeza íntima, não pode absolver o preso preventivamente mesmo que as provas, reais e concretas, não tenham sido apresentadas pela acusação, pois já o prejulgou, nunca consideraria como um erro, humano que seja, e, do que se conhece do seu perfil pessoal, jamais iria admiti-lo.
Assim é que ele usa e abusa de outro jargão “jurisdiquês”: o de que na historinha contada pelo MPF, e replicada por ele na sentença, há prova “acima de uma dúvida razoável” da culpa do réu. Trata-se de um “standard probatório” instituído pelo Estatuto de Roma, do Tribunal Penal Internacional. Contudo, este “standard” deve ser aplicado à “prova” que servirá para a condenação pelo tribunal. Sergio Moro sempre a usou de maneira usurpada e deturpada. Usurpada porque ele usa o “standard” monocraticamente. E deturpada porque ele não o aplica à prova, mas à sua convicção e à sua certeza íntima. Certeza íntima não é verdade; para se transformar certeza íntima em verdade é necessária a prova, real e concreta, e esta não apareceu em um sem número de processos conduzidos por Sergio Moro.
O mesmo Sergio Moro que decretou centenas de prisões preventivas com base em um absurdo subjetivismo do risco à ordem pública, que conduziu e instruiu o processo onde mediou descaradamente as ações da acusação, e que julgou e prolatou a sua sentença ao final.
Tudo a ver com o teor dos comentários do Ministro Celso de Mello. O leitor atento vê muito significado nas suas palavras. Nem é preciso dizer muito; como se diz na sabedoria popular: para um bom entendedor meia palavra basta.