RAVANA

- Sabe... Parece que chega um dia em que você olha em sua volta... e vê que todas as DECISÕES IMPORTANTES já foram tomadas por você. E que isso – ao contrário do que se pensava – não lhe deixa mais confortável. Não te deixa mais segura... Você fica tipo assim: “hã?!”.

A voz de Ravana era extremamente aguda. Soprava fumaça de um cigarro de palha pra cima, mas não por consideração aos que estavam perto dela, mas porque esse gesto valorizava ainda mais seu jeito de mulher… Digamos assim: “miseravona”? Eu mal conseguia dizer qualquer coisa, era quase sempre assim e eu nem me importava, porque consigo dizer tudo o que penso e mais um pouco nos meus textos... Pessoalmente observar é sempre muito mais tranquilo e seguro. Principalmente com Ravana.

Não éramos namorados, amantes, nunca seríamos... e nem pensávamos nisso. Ravana era o tipo de mulher que me assustava e me irritava... e me intimidava, me fazia rir, tudo ao mesmo tempo... ela não falava de mim, falava de duas outras pessoas... dois homens. Um deles (por acaso), eu sabia quem era.

- (ele) podia decidir e PRONTO. Ninguém vai ficar mal. Ninguém vai dar escândalo na porta da casa de ninguém, sabe? Eu não sei se ele pensa que sou maluca. Ou se acha que estou loucamente apaixonada... “Há, há, há”! E que aceite ficar esperando ele “se acostumar” comigo... tá, mas até QUANDO?! Eu sei, EU SEI... eu não sou fácil. Maaas... Como diria a música de Peninha: “E SE EU ME INTERESSAR POR ALGUÉM?”. Aaah, filhotêê! A fila ANDA! Se tá decidido que ninguém pertence a ninguém, o que me impede de me divertir?

Olhei em volta... depois disfarçadamente olhei o relógio. Ela não podia me ver encarando o relógio. Ravana no fundo era extremamente insegura... E, bem… Perto dela tinha o NOVO MACHO.

Tentando incessantemente interrompê-la dizendo frases e máximas... típicas de “Macho Alfa”, enquanto Ravana o reduzia, passo a passo... a um ursinho coala, “Macho ZETA”. Que no fundo todos nós sabíamos que ele era.

Percebi que meu suco, - além de estar ácido - estava quente. E o gelo que boiou no topo do mar alaranjado, tinha se derretido... deixando o líquido num estado de pura ruindade. Uma ruindade que me custou seis reais (e eu estava puto com isso). Reparei que Ravana ainda falava e eu mais uma vez tinha me perdido... isso sempre acontece... Estou sempre me perdendo o tempo todo.

Tive uma briga feia com uma ex-namorada certa vez, porque estávamos no shopping e ela percebeu que eu estava andando “em volta de mim mesmo”, como um gato querendo comer o próprio rabo. Eu estava perdido em pensamentos, ela se irritou e disse – dentre outras coisas – que eu estava parecendo um autista e que as pessoas estavam nos olhando. Mas... em minha defesa, estávamos SEMPRE no shopping! Era a ÚNICA coisa que ela queria fazer e também estávamos sempre brigando por alguma coisa. Então a gente acaba deixando de levar certas pessoas a sério... devido ao drama em excesso. Voltando a Ravana...

Eu não conseguia aterrissar. Eu a via falando, mas não a escutava mais... Notava a sua respiração descompassada e via sua aflição... A inquietude em seus olhos. Mas só consegui ser puxado de volta ao mundo dos vivos quando o ilustríssimo “colega” ao lado conseguiu uma brecha na conversa e - num tom meio irritado - fez a seguinte pergunta:

- O que é pior? Um homem que te assume, mas te trata mal? Ou este que quer teu bem, mas não se decide?

Parei meu copo no ar – tinha pedido outro suco… a coisa estava fugindo do controle. O gole pareceu se tornar barrento, instantaneamente. Uma risadinha fina e abobalhada brotou dos meus lábios, risos que queriam se tornar uma sonora gargalhada. Imaginei aquela sirene “PÉÉÉN!!”, dos programas de auditório. quando a pessoa responde incorretamente à pergunta... Perdendo a vez. A vontade de rir piorou. “Esse tá liquidado...”, pensei.

Ravana fez uma careta de desdém e o encarou – olhos nos olhos – por alguns segundos sinistros e intermináveis. Depois revirou os olhos com impaciência, soltando um suspiro de exaustão.

- Tsc. Tu não sabe nada de mulher, cara... – Ela disse com uma voz grave e quase sussurrada. – Se levantou e foi andando em direção ao banheiro tentando não cambalear e segurando o copo no alto, a fim de não molhar ninguém.

Meu novo amigo me olhou com olhos frustrados, quase de menino que teve sua bicicleta roubada.

- RAPAZ! Não dá pra entender essa mulher! – Bradou com uma tristeza embriagada no semblante.

Ainda encarando aqueles três dedos de líquido amarelo e transparente (o gelo derreteu de novo!), conclui... meio sonolento, que a noite tinha acabado pra mim.

- Ou você fica aí tentando escrever um livro explicando o jeito das mulheres... ou simplesmente você GOSTA DELAS. – Falei sem pensar direito.

Ravana voltou... Tinha algo novo em seu rosto que eu não soube dizer o que era... Parecia que estava pronta pra mais umas cem noites como aquela. E também mais outros cem “amores” como aqueles, que lhe consumiam tanto a cabeça.