AMIGO
- AMIGO –
Tenho um amigo de infância que é mais que um irmão, é meu porto seguro, que me conhece mais que eu mesma. Nossa amizade não é muito pública, acho que pelo contrário, somos bastante reservados: nós pouco falamos um do outro, mas muito um com o outro, na verdade, todos os dias em quase todos os momentos, pois temos uma linha direta e secreta.
Hoje, posso dizer, sem qualquer sombra de dúvida, que Ele é quem me sustentou desde pequena, que não permitiu que eu enlouquecesse ou fizesse algo contra mim mesma. Foi meu ombro amigo, meu aconchego e, em muitos momentos, meu tudo.
Lembro-me de jogarmos ludo, damas e trilha juntos; de passearmos com cães e gatos pelo pasto para tratarmos do meu porquinho. Quantas árvores nós escalamos para saborear seus frutos ou simplesmente para ficar mais perto do céu. À noitinha subíamos nas pilhas de tábuas de peroba, à beira da rua, recém-chegadas da serraria, úmidas ainda e ficávamos deitados sobre elas, lá no alto, contemplando as estrelas. Estrelas reluzentes, grandes, pequeninas, piscando sem parar, cadentes, viajantes e os pedidos que fazíamos a elas. Acompanhávamos todas as fases da lua e amávamos os relâmpagos e trovões.
Bebíamos água na mina e caminhávamos pelas águas do córrego; pescávamos girinos para levar à escola nas aulas de ciências. Queimávamos os pés na terra tombada e os enchíamos de carrapicho; escorregávamos com papelão nas descidas de grama; enroscávamos nas cercas de arame farpado fugindo das vacas e conversávamos muito, o tempo todo.
Resgatávamos bichos perdidos: cães, gatos, coelhos, pássaros, porcos, pintinhos e assim Ele me ensinou o valor de cada ser vivo na natureza de Deus.
Cada estilingada do meu irmão era lição a ser aprendida e fui crescendo. As pessoas zombavam de minha magreza e meu amigo me consolava, secava minhas lágrimas e logo me mostrava uma estrela diferente, novinha, minúscula, mas que brilhava da mesma forma que as outras. Levava-me a fazer um colar de flores de maravilha (bonina) e seu perfume me fazia esquecer a dor.
Chega a adolescência, fase difícil; meu amigo me leva a escrever meus primeiros versos e ali, com lápis e papel passo a encontrar alento para a rebeldia e revolta com as coisas erradas que via dos adultos. Período muito conturbado com novas decepções, rejeições e zombaria. A partir daí, o sorriso espontâneo foi desaparecendo e dando lugar à ironia, ao rir de si para não deixar que os demais o façam.
Deixei de conversar com meu amigo, ao menos não com a frequência
com que o fazia e ele me convidou para alguns retiros espirituais onde aprendi muito e sempre que percebia meu afastamento, ele dava um jeito de aquecer nossa amizade. Com minha rebeldia, nós brigávamos muito, eu não gostava das palavras dele, queria seu apoio para os meus caprichos, mas ele nunca cedeu, no entanto, sempre foi amável e compreensivo.
Quando resolvi me casar, ele me avisou que eu sofreria muito e chorei,
porém ignorei seu recado e ele, como sempre, estava certo. Meu amigo não me abandonou, pelo contrário, foi meu apoio contínuo, minha força, meu norte. Meus filhos nasceram e, todos: um a um, quis que a mãe do meu amigo fosse a primeira pessoa a embalá-los e cuidá-los e sei que ela o faz até hoje e o fará sempre. Devo a eles: meu amigo e sua mãe, o fato de ter filhos como pessoas de bem, trabalhadoras e honradas.
Por fim, o casamento findou. Meu amigo esteve comigo todo o tempo e
não senti qualquer dor ou arrependimento, foi um processo natural de
desgaste e fim. Meu amigo novamente me levou a retiros do tipo
acampamento e ficamos mais próximos se é que isso seja possível.
Compreendi que jamais nos separamos, um dia sequer, pois mesmo quando julgava estar longe, ele me espreitava e cuidava através de pessoas em quem ele confiava para me amparar.
Gostaria muito de apresentá-lo às pessoas. Ele é muito sociável, calmo,
carinhoso e sábio. Adora sussurrar em nossos ouvidos e chega a dar arrepios, mas ele é meio sistemático, não gosta que duvidem dele, que não confiem nele, por isso permitiu que eu sofresse bastante, para aprender a ouvi-lo e a confiar, entretanto, jamais permitiu que me faltasse o básico para sobreviver, em todos os sentidos. Ele sempre se envolve na vida de quem conhece, é o jeito dele, quer estar presente em tudo, saber de tudo, que contemos tudo, pois é excelente ouvinte, mas quando fala, precisa ser ouvido com o coração, com a mente, com todos os sentidos, ele não aceita meio termos.
Ainda tenho muito que aprender. Ele permite que eu ainda me sinta
depreciada e não reaja, só não sei se ele quer me ensinar a reagir ou que sendo “mansa” ensine aos depreciadores que eles são pequenos demais para destruir os amigos dele.
Hoje, moramos juntos: Ele, eu e os cachorros. Somos felizes e temos paz, mas não posso ser egoísta e retê-lo apenas junto de mim; são muitos os que precisam conhecê-lo e se deixar cativar e conduzir por ele, principalmente agora que ele está comemorando seu aniversário e ele já me disse: Quer muitos, muitos corações abertos para ele! Nunca vi gostar tanto de corações como ele!
MARIA! DÊ UM JEITO NESSE MENINO!
JESUS, VOCÊ É DEMAIS!!!
OBRIGADA, AMIGO!!!
Suely Buosi - 20/12/2019