MEU VIOLÃO, MEU AMIGO
Eu estava neste exato momento fazendo um show musical na minha cozinha, onde em paralelo eu lavava os pratos e, em seguida tomava sozinho o meu café da tarde.
A estrutura do show era bem simples, composta de uma caixa de som amplificada e um pendrive repleto de músicas que gosto.
Devo também destacar que o repertório desta mídia não tem uma lógica de gênero, pois, música para mim sempre foi única, incomparável e mutante. Se gente, eu diria que ela seria uma grande atriz, que assume qualquer papel para ela atribuído.
Tem gente que chama música de brega, clássica, velha guarda, jovem guarda, internacional, romântica, bossa nova, MPB, MPB Fofa e vários e vários nomes. No entanto, na minha humilde compreensão, aprendi a chamar música de música somente, pois, ela é uma figura que atende, nos momentos adequados, apenas pelo sentimento e, portanto, o gênero pouco importa.
Sendo assim costumo ouvi-la com base numa técnica bem própria, que não consigo colocar num editor de textos como se fosse um manual passo a passo, tipo os métodos que utilizamos no Youtube ou em pdf, para aprender tudo no mundo. Na verdade, não sou eu quem escolhe uma música para cantar ou simplesmente ouvir, quem faz isso é o ambiente, meu estado de espírito, minhas lembranças, a presença de algo ou alguém. Ela chega e minha voz se solta, ou a lágrima pinga, a felicidade me invade ou, outra coisa qualquer neste setor de sentimento meu. A coisa é tão escrota, tão avassaladora, que as vezes “me pego cantando e dançando, sem mais nem porquê.
Tem horas que preciso me conter, pois, tem uma sociedade bosta que odeia manifestações fora dos padrões por ela determinados e, fácil fácil este tipo de manifestação é interpretado como algo não digno de ser vivenciado, daí, com o rótulo de loucura, chega os mantenedores da ordem moral e “tome-le bosta na Geni”.
Estou hoje com 59 anos, desde que me entendo por gente gosto de música e, outra grande vantagem, é que eu aprendia as letras e cantava, mas, este ato nunca foi explorado em praça pública, nem nas festinhas de colégio. Para falar a verdade, não sei nem se esta minha virtude era percebida pelas pessoas do meu entorno.
Aos 16 anos, não sei como o assunto chegou, mas, meu pai me matriculou no Conservatório Alberto Nepomuceno para aprender Violão. Era, sem dúvidas, o melhor espaço de ensino do clássico na Fortaleza da época. Talvez tenha sido aí que descobri ter gente ligado no meu prazer pela música.
Não me perguntem o que motivou meu pai a pagar tal curso para mim, pois, nossa condição financeira não era lá essas coisas e, além do mais, tinha uma “ruma” de boca desocupada em casa para comer, onde só ele trabalhava. E, para completar, ele me deu um violão verde, pequeno, que cresceu milhões de vezes nos meus olhos quando o recebi.
Mas, como se diz no bom e velho dito popular “alegria do pobre dura pouco”. Menos de dois meses depois, meu pai morre e o mundo se fecha por completo para nós. Em termos financeiro aconteceu algo totalmente imprevisível, pois, teoricamente estávamos ferrados e, no entanto, duas pessoas saem do nada e, ao contrário disso, nós só ficamos com a dor da perda, pois eles assumiram essa parte de nossas vidas e, acreditem ficou até melhor. Mas, isso, conto em outra oportunidade, vou voltar para a música.
Minha tia, que tratou de se informar sobre tudo o que fazíamos, soube do tal curso no conservatório e, se prontificou a mantê-lo. No entanto, eu recusei, pois não achava justo um luxo desse em meio a bagunça que ficou nossas vidas.
Fecho este capítulo de tentar aprender violão através de técnica e coisa e tal e, como eu tinha o Violão, iniciei uma nova era, agora, como cavaleiro solitário, aprendendo tudo por conta própria. Comecei a juntar revistinhas com músicas cifradas, lembro da mais famosa, que se chamava VIGU, ou Violão e Guitarra. Em pouco tempo eu tinha um verdadeiro acervo, composto por revistas e folhas soltas com letras e cifras.
A gente morava em casa de vila, ou seja, as paredes laterais eram divididas com outras pessoas. Agora, imaginem o que é ter alguém aprendendo a tocar um instrumento como vizinho, num “bléim bléim bléim” quase que o dia todo!
Foi quando entrei na faculdade no ano de 1979, aos 18 anos, e, pela primeira vez, em toda a minha vida, saí sozinho para comemorar essa vitória no carnaval do Paracuru. E o que isso tem a ver? Bem, depois de 2 anos de aprendizado, me joguei no mundo e foi quando me arrisquei a tocar em público. Para tanto desenvolvi minha própria técnica.
Vamos combinar, eu era ruim no violão, mas, a vantagem é que eu sabia o motivo e, portanto, isso não me abatia, na verdade, me motivou a entender tudo e a buscar um conhecimento que pudesse mascarar este fato. Não sei como saquei que tocar violão para grupos era uma ciência simples de ser enfrentada, três coisas eram imprescindíveis, a primeira eu tinha que cantar alto e em bom som, superando até o próprio violão, a segunda, era necessário saber o que tocar em cada local, baseado no gosto comum do grupo e, por fim, era necessário saber as letras das músicas por inteiro.
Fui fiel as coisas que aprendi e isso me transformou num grande astro da música de encontros, tais como, carnavais, aniversários, feriados, fins de semanas e outros mais. As plateias não eram grandes, como esperamos nos grandes shows, mas, as emoções de cantar para elas eram, no mínimo, iguais.
Sim, como disse, nunca toquei o violão que se esperava para um bom músico, mas, eu era bom naquilo o que eu fazia, meus olhos brilhavam, eu usava a alma e, não me importava se o violão ou a voz possuíam os padrões definidos pelos renomados críticos musicais, eu fazia exatamente aquilo o que todos os que estavam comigo, queriam que eu fizesse. Eu cantava alto, sabendo as letras das músicas do meu repertório que, era bem grande e diversificado e, para completar eu analisava o grupo e cantava dentro de sua área de interesse, sempre me adaptando aos sinais recebidos.
A música não era o principal ingrediente desses encontros, na verdade ela fazia parte de uma receita que era composta pelas pessoas que ali estavam, meu interesse no evento, nos seus reflexos e nas pessoas presentes. Na verdade eu sempre soube que fundamental mesmo era o grupo no qual eu estava inserido, pois, eles cantavam, tocavam e sintonizavam comigo musicalmente e, principalmente, no humor.
Hoje estou afastado do meu violão, mas, o deixo na sala em seu suporte, para que ele jamais seja esquecido, pois, parte dos meus melhores momentos da vida, surgiram por conta de seu som.
Quanto aos motivos do afastamento, creio que seja uma longa história e, no meio dela posso ressaltar o afastamento do grupo e a falta de renovação e perda do meu repertório, que antes era bem vasto.
Os dados continuam rolando, portanto, a Fênix está sempre viva e engatilhada, vez por outra, ela ressurge. O renascimento que mais gosto é aquele que me levou de volta para a faculdade, tendo em vista que mais coisas surgiram por conta desse fato. Conto isso depois, melhor ficar por aqui, pois a prosa vai longe.