Uma diarista...
Regineide fazia faxina nas casas, de segunda a sábado, incluindo o dinheiro da passagem. Não gostava da alcunha de faxineira, mas se dizia diarista. Morava no subúrbio, num local denominado "beco do sopapo", numa casa cujo terreno foi de posse, como as demais. Tinha três filhos, mas um foi morto pela polícia porque, segundo ela, "tinha se envolvido com quem não prestava!".
Os outros dois ainda eram pequenos, mas jà ficavam sozinhos quando ela saía para a sua pesada lida diária.
Tinha de caminhar bastante até a estação de trem, cuja passagem era mais barata. Depois ainda pegava um ônibus lotado até seus destinos finais. Precisava sair muito cedo, senão o ônibus passava direto, pois jà vinha muito cheio, sem falar no engarrafamento...
Neide, como era chamada, era de total confiança de suas patroas, que deixavam as chaves nas portarias para ela pegar quando chegasse. Umas deixavam comida pra ela, outras eram miseráveis e deixavam um ovo e massa de cuscuz para ela almoçar. Neide se sentia um nada, e dizia consigo mesma:
- Eu sou pobre mas sou barriga cheia, uma mulher com tanto dinheiro deixar isso preu almoçar? Nam, isso num tem sustança pra quem pega no pesado como eu, destà que semana que vem trago minha bóia.
Ela também era proibida de usar os banheiros das madames, assim como os elevadores sociais, tinha tudo destinado aos serviçais, e Neide pensava:
- Ai como eu queria ter nascido rica, andar de carro, usar perfume bom, roupa de marca, bolsa alinhada...
Mas a realidade batia à sua mente e ela voltava para o seu mundo de desinfetantes, vassouras, alvejantes e espanadores...
Neide sustentava a casa sozinha, e os pais dos dois filhos não lhe davam um pão, um porque estava preso e o outro porque vivia desempregado. Ela tocava a vida e estava feliz porque tinha conseguido comprar uma TV grande, no cartão de uma grande amiga:
- Josi é bem dizer minha irmã, até o cartão me emprestou, ela sabe que eu pago bem direitinho a ela!
Os vizinhos do Beco do sopapo tinham respeito por Neide, pois era uma mulher valente e não tinha medo nem de homem, se bem que là, ninguém mexia no que era alheio, e ela gostava:
- A facção daqui protege nós, quem fizer safadeza aqui é morto na hora, isso aqui é como um condomínio fechado, a facção manda em tudo, nem a polícia entra sem permissão!
Mas ela temia que os filhos mais novos tivessem mesmo destino do mais velho, porque a droga corria solta...
- Ainda bem que eu tenho bolsa família desses menino, me ajuda muito no fim do mês, pelo menos pra comprar uma besteira pra eles.
No fim do ano, as patroas mais generosas davam umas coisas a Neide, para agradà-la, comida ou roupas, mesmo que usadas, e ela ficava muito feliz.
Segunda-feira não ia trabalhar, sabia que esse dinheiro ia fazer falta, mas jà era a terceira semana que ela tentava tirar uma ficha pra genecologista no posto, porque fazia muito tempo que não fazia um preventivo, mas nunca conseguia. Apostou na próxima segunda, ia chegar de madrugada e ficar até amanhecer o dia, mas tinha fé que ia conseguir.