Um conto de Natal com realidade...
Seu Dedé vivia no abrigo havia muitos anos, mas sabia de cor: Dezessete anos!
Foi deixado là pela filha mais nova, que dizia não ter condições de cuidar dele, pois trabalhava o dia todo e dava conta da casa sozinha.
Os outros três filhos concordaram, cada um com o seu "motivo" particular. O mais velho vivia bem, segundo Seu Dedé, morava numa casa de primeiro andar e tinha um carro muito bom.
- Minha véia morreu, fiquei só e minha filha me levou pra casa dela, mas num cuidava de mim não, nunca tinha cumê pra mim, nem eu posso comer de tudo, por causa da diabetes. Por causa disso, perdi um pedaço da perna e enxergo pouco.
Seu Dedé mostrava os álbuns da família, dizia ter muita saudade dos filhos, mas eles nunca iam vê-lo.
- No fim do ano um ou outro aparece aqui, perto do Natal. Me dão qualquer coisa de agrado, como presente, depois desaparece tudo.
E seus olhos marejavam ao lembrar da luta com sua saudosa esposa:
- Eu e Etelvina lutamo muito. Eu de servente de pedreiro e ela lavando roupa de ganho. Nunca dexêmo faltar o cumê deles, e no domingo tinha até frango com refrigerante na nossa mesa... Nunca quis que eles pegasse no pesado como a gente, pra têri istudo e se formàri.
E mostrava as fotos dos netos:
- Esse daqui é até pastor, veve numa situação muito boa, veio aqui uma vez e me deu uma bliblia... Mas nunca mais apareceu... Num sou da leis de crente, mas respeito quem fala em Deus.
A copeira da ala chegou e lhe deu uma fruta, pois estava na hora do lanche. Ele agradeceu e disse:
- Olhe meu fí, meu apusento fica quaji todo aqui, mas num me farta nada, tenho o cumê, a roupa lavada, a dormida. Antes era nas mão da minha filha e num tinha nada pra mim. Mas sinto falta da minha família, tenho até neta adevogada. Nas festa de fim de ano a saudade aperta mais, todo mundo quer tê família né, meu fí?
E seu Dedé ficou com o olhar perdido, fitando o nada. A encarregada da ala masculina falou, tentando consolà-lo:
- Mas quem sabe, Seu Dedé, se esse ano sua família não vem lhe buscar ao menos para passar o Natal com eles?
- Você é nova aqui, né minha fía?
- Jà faz seis meses que trabalho aqui, Seu Dedé, lembra que faz um tempinho que eu cheguei?
- Seis mês? Eu tô aqui a dezessete ano, eles nunca me levaram, quando muito, vem um outro aqui me dà qualquer besteirinha.
Fez-se um silêncio esquisito, e Seu Dedé emocionado cantou:
- Pelos prados e campinas, verdejantes eu vou... Tu és Senhor, o meu pastor, por isso nada, em minha vida, faltarà!
Thomas Saldanha, Natal 20/12/19
Os: Conheci muitos seus Dedés durante os anos que frequentei um abrigo de idosos aqui em Natal!