Lembranças
Recordo um cidadão, humilde no espírito, no coração. Quase diariamente passava na rua, no início da manhã. Carregava um paneiro. Dentro, algumas galinhas, quatro, cinco.
Eu era pequeno, deveria estar com uns 11 anos. Nunca soube o nome daquele cidadão, o vendedor. Era “o galinheiro”, apenas isso, o “galinheiro”. Assim o conhecíamos.
Homem magro. Roupa simples. Vez por outra mamãe comprava uma galinha. Aquela criada no quintal, a caipira.
Ficava eu na calçada, parado, observando minha mãe escolher a galinha. E aquele humilde cidadão ia embora, paneiro na mão.
Manhã ensolarada, nuvens, céu brilhante. Caminhava com paciência, sem pressa. Despreocupado. Apreciava isso: sua calma, paciência.
Creio que fosse isso a me tocar, a humildade dele, a paciência. Bem, viveu a vida dele, assim, sem grandes pretensões, sem vaidades. Nada disso.
Percebia, ele era feliz. Ao modo dele.
Mais à frente alguém o chamava. Vendia outra galinha. Eu entrava em casa – e deparava-me com mamãe sacrificando a ave. Cortava-lhe o pescoço, no quintal. A vítima se debatia, morria. Sangue escorrendo.
Ela (minha mãe) me dizia: –----- Pega a vassoura, lava esse sangue, antes dele endurecer (coagular).
Gostava muito de almoçar galinha com molho, batata, macarrão, arroz, farinha. Comia com gosto.
Bem, julgo esta narrativa algo de pouca (ou nenhuma) importância. Não sei. Mas uma coisa verídica, real.
Isso me ficou gravado na mente. E me faz bem, relaxo-me lembrando disso. Ah! Minha mãe.
Daquele vendedor, roupa simples, humilde. Certamente já falecido. Eu, garoto, observando o homem com as aves, paneiro na mão, caminhando despreocupadamente.
E de ter de lavar o sangue. Me provocava mal estar aquela tarefa.