Relatos de uma Mente Apaixonada
As pernas falhavam ao sair do ônibus. São apenas as consequências de um longo e exausto dia de trabalho. Não fazia ideia de que hora poderia ser. O céu estava completamente nublado e a rua já estava pouco iluminada, algo comum para um dia de inverno. Um clima perfeito para se estar em casa, bem aconchegado e pronto para mais uma soneca. Ah... posso ouvir o barulhinho de chuva caindo no telhado. Ou no meu ombro... começara a garoar. Corri para me abrigar o mais rápido possível. Como sempre, esqueci o guarda-chuva. Um ato bem imaturo para um adulto de 25 anos. Dei um leve tapa na testa enquanto balançava a cabeça em negação.
Que saudade de casa! Olhei para o céu e previ que as gotas não cessariam tão cedo. A chuva se intensificou e tive que recuar um pouco. Acabei esbarrando numa moça que estava atrás de mim e não notara. Pedi perdão a jovem de vestes coloridas. Já nos conhecíamos! De fato, aquele rosto me era familiar, mas e se não fosse? Pagaria papel de idiota. Resolvi apenas me desculpar pelo empurrão. “Gustavo?”. A moça me puxou franzindo o cenho. Sim, era ela... Minha namorada da 5ª série... E como estava linda, e tão radiante. Foi um turbilhão de assuntos, perguntas e novidades. Parecia inacreditável como o tempo não afetara sua personalidade. Continuava a mesma.
Depois de cinco minutos, descobri que Cristina se tornara terapeuta, tinha uma filha, mas era mãe solteira e morava próxima dali, em um apartamento que já estava atrasado dois meses. Não havia muito o que falar de mim. Morava sozinho, com um emprego mais ou menos, levando uma vida bem mais ou menos, com sonhos que não tinham uma perspectiva atraente. Mas sua presença ali tornava meu mundo mais ou menos um pouco mais colorido. Acredito que sua roupa e o sorriso de uma orelha a outra tenham contribuído.
Olhei para o alto novamente, não pararia de serenar tão cedo. “vamos andando... Eu também esqueci o guarda-chuva... Vem! Ou você é de açúcar?”. Ela pegou minha mão e começou a me guiar pela calçada. Fomos nos molhando na medida que seguíamos para sua casa. Ela saltitava como uma criança. puxava minhas mãos, obrigando-me a espelhar seus gestos. Depois de quinze tentativas, me entreguei ao momento e permiti a mim mesmo se divertir. Sentei na calçada, molhado e afoito. “Você está sedentário...”, expliquei a falta de exercícios e fiquei a observar os carros passando, as gotas não incomodavam mais. Minha mente estava rodeada de lembranças.
Ela me olhou, dessa vez não sorria. As luzes dos postes não eram tão fortes quanto aqueles olhos que me fitavam. Ouvíamos somente o som da chuva, imobilizados, petrificados no olhar um do outro. Nunca nos beijamos, beijávamos somente o rosto quando criança. E sempre prometia de lhe beijar de verdade quando formos da idade dos nossos pais. “Lembra da promessa?”, peguei na sua mão, havia jurado de jamais soltá-la.
Cheguei mais perto do seu rosto. Podia sentir toda sua ansiedade por aquele momento. Finalmente pus a mão entre seus cabelos, e beijei seus lábios que tremiam diante dos arrepios. Foi um beijo lento e intenso. Não chuviscava mais e chegamos ao destino. Nos despedimos quase que por meia hora. Não queria ir, não sabia se voltaria a vê-la, se engataríamos alguma relação. Voltei para casa e passei o resto da noite que me sobrara pensando nela e o quanto me arrependo de tê-la esquecido todo esse tempo.