Amazonia

AMAZÔNIA

A VIRGEM DE OURO, FERRO, MANGANÊS, CASSITERITA,

RIOS E ARVORES DE MEL.

Não faz muitos anos, em 1975 quando fiz a primeira viagem a Amazônia, fiquei extasiado com a extraordinária beleza da floresta, dos rios e com a consistência da mata, vista de nove mil pés de altura e comprovado do solo, o que estudara em treinamentos de sobrevivência na selva e nas aulas de geografia sobre as florestas equatoriais.

Não vou, apesar de ser poeta, descrever a beleza da floresta. A intenção é passar minha experiência ao máximo de pessoas possíveis, para que lutem como puderem, para preservar a natureza, mesmo quando a primeira vista, pareça invulnerável.

Como visitei mais vezes o atual estado de Rondônia, farei um resumo do que presenciei no decorrer dos anos de 1975, 1978, 1982 e 1991.

Em 1975, viajei por terra, cerca de 800 Km, num percurso de Porto velho até Vilhena, passando por várias vilas. A floresta estava praticamente intacta, conforme tinha visto, quando passava pelo local de avião.

Estava prestando serviço à recém criada TELERON, implantando um sistema de rádio, para comunicações públicas, e entre outras, construímos uma repetidora no morro dos Bocós, também conhecido como Presidente Hermes, entre Ji-paraná e Cacoal, na época pequenas vilas.

Do topo do morro, principalmente de cima da torre de microondas, a mata equatorial mais parecia um oceano, sem uma falha sequer. Qualquer mortal que olhasse aquela mata e tivesse participado do trabalho que tivemos para fazer uma simples trilha de 5 Km, jamais poderia imaginar que algum dia tudo aquilo se transformaria em capoeira, ou seja, vegetação rasteira.

Os rios, mesmo em época de enchente, tinham as águas limpas, pois a floresta funcionava como um filtro natural de alta eficiência. Chovia quase todos os dias do ano, mas não haviam tempestades ou ventanias, porque com a mata homogênea, a densidade e temperatura do ar também homogêneas, as árvore com cerca de 60 metros de altura e em baixo recheadas com vegetação rasteira, não permitiam variação brusca de temperatura durante a chuva, evitando dessa forma deslocamento de ar, e nos presenteavam com chuvas mansas, cujos pingos, caiam com trajetórias quase absolutamente verticais.

Nesta época já haviam muitos toreiros, pessoas que tiravam madeira de lei em toras, do âmago da floresta e transportavam até a primeira serraria que as beneficiavam antes de envia-las para o comercio. Quando perguntava para algum deles quanto tempo a floresta duraria, eles riam e diziam que era impossível acabar com tanta madeira. Nesta época, mesmo de cima da torre do morro dos bocós ou durante algum vôo em qualquer tipo de aeronave, não se via fogo ou mesmo fumaça, pois com a umidade permanente, mesmo que o homem quisesse, não provocaria um incêndio.

Um pequeno detalhe que a maioria das pessoas não têm noção, é que as arvores de lei como mogno, cerejeira, ipês e outras, não estão uma ao lado das outras, e para o toreiro retirar uma arvore destas, tem que abrir um acesso, matando centenas de outras espécies, além das que machucam quando derruba a arvore que deseja. Muitas vezes e principalmente na mata virgem, as arvores são tão próximas uma das outras, que para cair é necessário cortar ou derrubar um grupo ao mesmo tempo, ainda que só se aproveite uma.

Desta forma e com o desmatamento para formação de pasto nas criações de gado e plantação de cacau e outras culturas, foi aumentando a quantidade de arvores e arbustos secos, propiciando incêndios acidentais ou não.

Nesta época a mineração era feita de forma mais ou menos controlada, e não se percebia o estrago que poderia fazer, tanto ao que se refere a casiterita, que é feito em solo sêco, como o ouro que é feito nos leitos dos rios madeira e outros.

Em 1978, voltando aos mesmos lugares que estivera em 1975, aquela floresta que antes parecia um oceano, já não era tão consistente, além do crescimento das vilas e o surgimento de outras, aumentou geometricamente a quantidade de cerrarias, consequentemente de toureiros, agravado com o aumento substancial de criadores de gado e plantadores de cacau.

Já começava ser quase rotineira a ocorrência de incêndios, e se percebia alguma sujeira nos rios durante as enchentes. Os toureiros tinham que adentrar cada vez mais na floresta para conseguir madeira de lei. Com isso e o programa de acentamento de famílias pelo INCRA, surgiram novas vilas e as anteriores, como Ji-paraná, Cacoal, Vilhena e Guajará Mirim, já eram verdadeiras cidades.

A exploração mineral, principalmente de ouro, Já havia aumentado considerávelmente, e principalmente o rio Madeira mostrava a poluição provocada pela extração do ouro em seu leito. Aquelas chuvas diárias e calmas de antigamente, já se tornara sonho, pois com o desmatamento, acabou a equalização e estabilidade de umidade e temperatura, provocando verdadeiros vendavais durante as precipitações pluviométricas, além da irregularidade das mesmas.

Em 1991, o cenário visto do morro dos Bocós era desolador, pois só restava de mata virgem, pouco menos que um raio de 1.000 metros , no topo do monte onde estão as repetidoras de rádio da TELERON e EMBRATEL. A dificuldade que havia em 1975 para se ver uma falha na floresta, agora tínhamos para vermos a floresta nas falhas. Os toreiros já começam a desconfiar que a mata pode acabar, e os pescadores e caçadores já não têm mais dúvidas, pois além de viverem praticamente em meio a fumaça durante o verão ou estação sem chuva, que antes não existia, já assiste pela TV, os alertas dos ecologista e entidades de pesquisas do mundo inteiro, mostrando as imagem feitas por SATÉLITE, onde centenas de incêndios aparecem ao mesmo tempo em toda Amazônia.

Para qualquer cidadão que acompanhasse o desenrolar da colonização da Amazônia seria traumatizante, imagine para um poeta que nasceu e se criou no campo, e ainda por cima, no sertão nordestino, onde a semedesertificação foi provocada praticamente da mesma forma.

Ao contrário do que se conhece, o nordeste teve uma vegetação totalmente diferente das caatingas que conhecemos hoje. Em nossa propriedade, a casa do meu avô, foi construída com madeira de lei, como: Cedro, baraúna, aroeira, ipês e uma tal de imburana, com dimensões que mostravam ser o porte das arvores de uma altura média de 15 a 20 metros. Segundo meu pai, estas arvores, numa quantidade de aproximadamente duzentas, foram retiradas quando estavam desmatando o local onde foi construída a casa, ou seja, uma área de mil metros quadrados. Havia ainda uma reserva de mata, que fazíamos tudo para mantê-la, com a clara intenção de mostrar a diferença entre o que é e o que poderia ser o nordeste, caso tivéssemos planejado melhor sua colonização.

Durante esses quinze anos que acompanhei a colonização de Rondônia, e a evolução de outros estados, pude ver cenas deploráveis, coisas do tipo: O rio Piracicaba morreu como se de um colapso cardíaco. Durante muitos anos, podíamos fazer uma refeição no restaurante Mirante de Piracicaba, enquanto víamos as pessoas pescando com as mãos, na cachoeira. De repente, num intervalo de um ano, ao voltar ao mesmo restaurante, pude constatar que não só morrera os peixes, como havia morrido o rio, pois o mal cheiro era de alguma coisa morta e podre.

Assim como ocorreu com o rio Piracicaba no estado de São Paulo, tivemos a morte de mais de cinqüenta por cento dos nossos rios em todo país, pelos mais diversos motivos evitáveis.

Da mesma forma que o toreiro não imaginava que a floresta poderia acabar, pois ele não sabia que existiam tantos toureiros como ele agindo ao mesmo tempo, e muito menos, conhecia outros fatores que contribuiriam para exterminar a mata, nós não podemos ver em uma ação isolada, o verdadeiro perigo que um pequeno gesto como jogar um pouco de lixo não degradável em um rio ou lago, significa, se não lembrarmos que milhões de pessoas podem repetir simultâneeamente esse mesmo gesto e torna-lo fatal à natureza...

Num alerta e homenagem à Baia de Guanabara, ao rio Piracicaba, à Mata Atlântica e tantos outros seres agonizantes, que já tiveram a exuberância e a força da Amazônia e foram tratados com o mesmo descuido, deixo esta poesia:

FLORESTA AMAZÔNICA

No universo, com a terra tu raiaste,

tua beleza, tua força e tua vida,

cada flor e cada espécie que criaste,

numa cadeia crescente e sem medida,

sem cansaço, sem parada tu chegaste ...

pra viver um céculo vinte genocida...

Na serra dos Bocós, de sobre um monte,

num êxtase total, num prazer quase profano,

contemplo tua face espalhada no horizonte...

Tua mata fechada, mais parece um oceano.

O sol declina e aos poucos se esconde

e de dourado, o teu corpo vai pintando...

A união do teu verde e o azul do céu

numa aquarela do artista verdadeiro,

um diploma, obra de um bacharel,

num embrulho feito por um joalheiro,

enfeitado com abelhas, flor e mel...

És presente para o povo brasileiro...

Deus nos deu esta fonte de riqueza

mas cegou os dirigentes do país...

Os poetas pregam e cantam tua beleza...

Ecologistas mostram a lei, mas sem juiz...

O mundo chora e roga vida à realeza,

e a negligência te tranforma em infeliz...

O homem teve séculos e exemplos,

para aprender a sentir o teu valor...

De repente a razão num epicentro,

o transforma num ser devastador...

Hoje te vejo morrendo e não agüento,

e falo ao mundo sobre teu grito de dor...

A tua força e imponência encandecia

os olhos mais espertos e matreiros...

Imagine se alguém perceberia

a imprudência dos nossos garimpeiros...

Os minerais como ouro e pedrarias,

os transformam em bichos carniceiros...

Os toureiros, vítimas e destruidores,

não pensavam que tua mata ia ter fim...

Mas por trás, um exército de doutores,

exportando mogno, cerejeira e em fim,

coordenavam motocerras e tratores

e esmagavam canafístulas e alecrins...

Quase com delicadesa tu és penetrada,

enquanto gritas pela pátria adormecida...

Friamente mais uma virgem é estuprada,

numa relação, sem amor e dor estremecida...

Perdes a vida, pra nascer mais uma estrada...

Neste jogo sem regras, tua sorte foi vencida...

No princípio como toda inocente,

a tua imágem não pareçe molestada...

Todos agem de maneira indiferente,

como impotentes, inocentes, ou nada...

Derrotada por quem age impunemente,

gradualmente tua vida é devastada...

Pouco a pouco a ganância te desnuda,

e no céu a MATA ATLÂNTICA também chora...

Um exercito de feridos pedem ajuda...

Castanheiras, buritis, índios, fauna e flora...

O IBAMA, sem recursos, nem perturba

esse câncer que aos poucos te devora...

O descuido do inocente fumador,

no teu corpo ressecado de maltratos,

abre mais uma ferida e sem doutor,

vai queimando o que resta dos farrapos...

Dez mil vezes o satélite registrou...

Nós cobramos, mas não vemos resultados...

Sem o filtro natural, a própria mata,

e a sujeira que quem faz não admite...

Quando o homem em teus rios o ouro caça,

e pra comer, vai pescar com dinamite...

Alimenta a poluição e nossa desgraça,

e a fumaça deixa nosso céu mais triste...

O mercúrio misturado em tuas águas,

e a lama que remove os garimpeiros...

O desperdício, o descuido e minha mágoa,

são tão grandes que não sei qual o primeiro...

Quantos gritos de alerta, quantas tábuas...

Quantos índios já morreram no terreiro...

Quando o estrangeiro nos alerta do perigo,

dizemos que fere a nossa soberania...

Quando o índio reclama seu abrigo,

dizemos que já foi errante um dia...

Quando a natureza grita com castigos,

cada um diz simplesmente: Eu não sabia...

Acabamos com o ar que respiramos...

Exterminamos as floradas dos ipês...

Poluimos o rio onde pescamos...

O índio não tem mais onde viver...

Um estranho genocídio praticamos,

ao pregar-te na cruz para morrer...

Todos os dias essa sena se repete

e esse ser que se diz racional,

não estuda, não escuta e não reflete,

qual o fim dessa floresta tropical...

Cada um sabe o dever que lhe compete,

mas não preserva essa riqueza natural...

No instante em que o homem descobrir,

que é um suicídio matar a natureza,

certamente o universo vai sorrir,

fauna e flora ressucita com beleza...

Poderemos finalmente permitir

que nossos netos desfrutem tal riqueza...

Algum dia no futuro, um cientista,

vai mostrar nossas florestas no papel,

vai dizer o que dizemos e salta às vistas...

Vai mostrar o índio morrendo ao léu...

Vai dizer que não fomos estrategistas...

E receber um prêmio nóbel de troféu..

Jacó Filho
Enviado por Jacó Filho em 05/10/2007
Código do texto: T682206
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.