Arduamente entendi: sou pai*

Dia vai, dia vem e sou cada vez mais pai.

Não, não é algo automático, como deve ser para a mãe, afinal, a gestação constitui a conexão definitiva entre mãe e bebê. No caso do pai, as coisas tendem a serem ligeiramente mais lentas.

O ser que ali está, entre o homem e aquela que já não é mais unicamente a sua mulher, em um primeiro momento, é um intruso.

Não me entenda mal. Existe amor pleno e verdadeiro desde o começo, mas a minha cabeça de homem demorou a entender o meu próprio papel nessa relação que passa a ser “a três”. A minha função de pai, não apenas de dono de metade da carga genética desde bebê, mas de dono de responsabilidades intransferíveis, de mentor, amigo e conselheiro, guarda e vigilante de uma vidinha inocente e totalmente dependente para absolutamente tudo neste mundo cruel, demorou para ser compreendida desta forma. Há aqui uma complexidade de papéis e funções que sou capaz de entender só agora, oito meses depois do João Arthur nascer, pois a rotina deixou de ser combatida para ser cumprida.

A intrusão deste bebê foi deixando paulatinamente de ser, de fato, intrusão para ser adição e a vida a três constituiu-se não somente em regra pétrea, mas em condição sine qua non da minha própria existência enquanto homem neste mundo.

A estranheza que me causa esta sensação de conseguir compreender algo tão tênue ainda que tão óbvio, talvez sejam ecos distantes das duras lições que só o amadurecimento da minha psique poderia me proporcionar.

Por mais que uma luta interna ainda se dê entre aquilo que eu desejo e o que é necessário para o bem-estar de todos nesta família, este embate silencioso não faz nem 1/10 do barulho que fazia há alguns meses.

Compreendi tardiamente, ou pelo menos a ponto de conseguir dissertar sobre sentimentos tão complexos e paradoxais como estes, que a vida hoje faz mais sentido do que fazia ontem.

Compreendi que a supressão gradativa do meu “eu” era tudo que eu desejava nesse mundo, pois isso traz a paz de que tanto preciso para dar ao meu filho e a minha família uma vida plena, feliz e livre.

Jefferson Farias

*Publicado originalmente em https://ocronistainutil.wordpress.com/2019/12/17/arduamente-entendi-sou-pai/

O Cronista Inútil
Enviado por O Cronista Inútil em 17/12/2019
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