Não foram os índios

        Faz, este mês, um ano que ocorreu o desastre com o avião da Gol, vôo 1907, quando morreram cento e cinqüenta e quatro pessoas.

        Não vou, aqui, insistir naquela de que se deva continuar procurando os verdadeiros culpados pela tragédia.  
        Até porque, pelo noticiário corrente, parece-me evidente que a intenção é a de pôr a culpa nos tripulantes do Legacy, neste momento nos Estados Unidos, sorvendo um bom vinho da Califórnia.
 
        Resta-me rezar pelas vítimas do acidente. Esperando que, com a ajuda de Deus, todas tenham, finalmente, um túmulo digno, junto aos seus parentes. 

        Saio aqui em defesa dos nossos índios, os donos das terras onde caiu o avião.  Maldosas línguas levantaram a suspeita de que eles teriam furtado os documentos de algumas vítimas, e os usados em transações criminosas ou fraudulentas.
 
        Logo, um cacique (de verdade) apareceu, e fez a defesa do seu povo. Desdentado, mas com a serenidade das pessoas puras, disse pros brancos, que os índios não são  alunos dos civilizados na arte de surrupiar as coisas dos outros, ainda que esses outros sejam defuntos.
 
        E ressaltou, num linguajar simples mas categórico, que de acordo com as leis de suas tribos,  é inarredável o respeito do indígena pelos mortos, inclusive os mortos que não carregam o sangue de sua gente. Bela lição!

        Eu nunca coloquei em dúvida a conduta dos índios que participaram, de forma decisiva, do resgate das vítimas do avião da Gol, vôo 1907. Foram eles que levaram as equipes de salvamento ao exato lugar do acidente, no coração da selva, local reconhecido como de difícil acesso.

        Comecei, muito cedo, a respeitar os nossos indígenas. 
        No Ceará, quando ainda agarrado no rabo da saia de minha mãe, ouvi, várias vezes, a estória de uma índia chamada Iracema.
        E - pasmem! - acabei me apaixonando pela filha do cacique Araquém.
        Cheguei a morrer de ciúmes do lusitano Martim Soares Moreno, a terna paixão da fogosa tabajara.

        Anos depois, já aluno do Liceu do Ceará, li Iracema não sei quantas vezes.  Sabia de cor trechos inteiros do amorável romance do conterrâneo José de Alencar.

        Amando Iracema, "a virgem dos lábios de mel", aprendi a defender e a respeitar o índio brasileiro. 
       Não me perturbavam, nem um pouco, os rumores de que a índia de Alencar nunca existira. 
        Mas, já naquela época, incomodava-me a maneira grosseira como o Brasil cuidava dos seus silvícolas.

        Mais de 500 anos depois do descobrimento, e nada mudou, ou mudou muito pouco: os índios brasileiros continuam sendo espoliados, roubados, humilhados!

        São acusados de serem preguiçosos e violentos. Não é verdade. Pesquisas recentes lhes atribui "características positivas, como pureza moral e respeito pelo meio ambiente".
        Foi-se o tempo em que índios só queriam apitos. Devolvam-lhes  o que lhes pertence - terras, florestas, céus e rios cristalinos - e deixem o resto com Tupã.

        Há algum tempo, assisti, num canal de televisão, uma reportagem sobre uma tribo que, segundo o corajoso repórter, "ainda se mantém distante dos brancos". Os índios, magricelas,  pareceram-me amedrontados, doentes, muito tristes.

        Uma jovem índia da mesma aldeia, flagrada amamentando um sagüi, arrancou-me algumas lágrimas. Com extrema ternura, ela deixava que um macaquinho faminto sugasse um dos seus túrgidos seios, enquanto o seu curumim tomava conta do outro.

        Naquele instante,  desejei que o mundo estivesse vendo nossa indiazinha dando aquela aula de solidariedade e amor... 
        Da sua tosca oca, perdida nos confins da floresta pátria, ela mostrava, com descontração e simplicidade, como se faz o bem.    
        Diante de gestos como este, não me parece justo chamar nossos índios de larápios...

                
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Nota: 
Foto da estátua da índia tabajara, na praia de Iracema, em Fortaleza.

     

      

       
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 05/10/2007
Reeditado em 12/02/2008
Código do texto: T682084