PICADINHOS EXISTENCIALISTAS - PARTE IX

JEAN-PAUL SARTRE nasceu em Paris, 21 de junho de 1905 (assim como Françoise Sagan e Machado de Assis), a meio termo entre Geminiano e Canceriano. Órfão de pai aos 2 anos, mudou-se com a mãe para Meudon, casa do avô materno - excursões frequentes à biblioteca do ascendente, aos 10 resolveu ser escritor - ganhou máquina de escrever. Aos 24, matriculou-se na Escola Normal Superior; conheceu SIMONE LUCIE-ERNESTINE-MARIE BERTRAND DE BEAUVOIR, a quem deu o apelido de "Castor", num relacionamento para a vida inteira... Declarou: "A partir de agora eu tomo conta de você." ----- Nas primeiras ideias de SARTRE, à época, concepções da vida e do homem já fomentavam a sua ontologia fenomenológica. ----- Durante a II GM, foi convocado para servir como meteorologista em Lorena, caindo prisioneiro em junho/40, rápida passagem pelo cárcere de Nancy, transferido para campo de concentração em Frier/Alemanha um ano, depois foge... ----- Paris sob domínio nazista, organizava-se a Resistência - desejou participar. Com um círculo de amigos, funda o grupo Socialismo da Liberdade, responsável pela impressão e distribuição de panfletos clandestinos, apelos ao povo para resistir contra os invasores e os franceses colaboracionistas. Sua arma era a palavra. Em 1945, fim da guerra, dissolvido o movimento, funda a revista "Tempos modernos" que iria registrar a evolução do pensamento existencialista durante sua brilhante e prolífera vida. ----- Sua produção literária era um 'vertigo': naturais potencialidades intelectuais. Dono de si, euforia de ser livre, centro das atenções da intelectualidade francesa. Viajava, fazia conferências e política, e em 1952 filiou-se ao Partido Comunista Francês, porém, Rússia invadindo a Hungria dois anos depois, rompeu e escreveu o artigo "O fantasma do Stalin". ---- Tornou-se legenda viva - teatrólogo, ficcionista, filósofo, jornalista e militante esquerdista. Opôs-se à guerra francesa na Argélia, em 1950 foi vítima de atentados terroristas direitistas, e também contra a guerra de Vietnã, apoiando o Tribunal Bertrand Russell que julgou os States pelos crimes de guerra contra o povo vietnamita. Escreveu cerca de meia centena de volumes, 15 mil páginas, todos os gêneros, influindo todo o pensamento filosófico do século XX. Em 1964, com "As palavras", recusou o Prêmio Nobel de Literatura, em repúdio a valores burgueses. ----- Últimos anos da vida quase cego, privado de sua faculdade ultra-pessoal-essencial; via linhas e espaços entre as palavras, sem distingui-las. ----- "O muro", 1939, coleção única de contos, 5 narrativas sob teoria existencialista: 1---"O muro" - Pablo Ibierta, protagonista, é preso pelos falangistas (pesquise, caro leitor), condenado à morte, colocado na situação-limite (palavra de Sartre): guerra, sofrimento, morte; o indivíduo percebe sua existência determinada por outros, pelas duras situações-limite. / 2---"O quarto" - Inicia-se obsequiosamente, a senhora segura entre os dedos um 'rahat'. Na verdade, estória de duas loucuras - Pierre, irremediavelmente, e Eva, sua mulher, paixão insana, compartilha dos momentos de alucinação, enlouquecendo também, afastando o bom senso e concluindo iminente internação do marido num hospício: "Eu o matarei antes que isto aconteça." --- Conto mais angustiante que "O muro" - neste último, a consciência física mediante uma execução está pontilhada de tintas fortes, não há esperanças ou atalhos possíveis; em "O quarto", ele louco e ela quer enlouquecer - personagens parecendo não respirar no lento e gradual encontro com o limbo, sem luz ou expectativa, apenas a loucura como ponto final para a mente. / 3---"Erostrato" - Paul Hilbert, um homem comum, de existência comum, mora numa pensão comum, emprego comuníssimo, mas de súbito cai sobre ele toda a mesquinhez de sua vida - pretende praticar algum ato que o transforme em personagem por um dia: matar e suicidar-se Tece muitas tramas e escreve para 102 escritores franceses; para que a ação permaneça ativa em seu cérebro, revive a estória de Erostrato, a dois mil anos, que queria tornar-se ilustre e para isso incendiou o templo de Éfeso, uma das 7 maravilhas do mundo. Pela tese exposta, amigos começam a rejeitá=lo. Procurou nos bulevares sua prostituta preferida, . não a encontra e leva outra para um sórdido hotel onde 'voyeava', tendo agora como assídua companhia um revólver comprado há pouco e que acariciava docemente. Perdeu o emprego, os amigos, começou a sonhar com a pré-ação de uma forma assustadora, enlouquecida; descuidou-se da aparência, cheirava mal, até que, contrariando os dogmas do plano, mata a sangue-frio numa rua de Paris um homem a quem pedira informação. Instaura-se o caos dentro e fora, isto é, o interior, PAUL, e o exterior, a realidade excedente de um crime - por fim, refugia-se no banheiro de um café, sem coragem de provocar a própria morte. / 4---"Intimidade" - Estória de amor-ódio, ódio-amor, entre Henri e Lulu. ou alguém alto-chapado-bêbado (lembra um filme francês, nouvelle vague, com Jeanne Moreau e Maurice Roner, direção de Claude Lelouch...) - agradável leitura, absorvente e leve nas fatigadas trilhas do amor). / 5---"A infância de um chefe" - Texto-em-si, ou seja, SARTRE concentrou todo o horror à burguesia bem comportada-vestida-alimentada. O posicionamento de Lucien Couffin no decorrer da vida, contada da infância à quase maturidade, é o mais real possível: edipiano, homossexual, heterossexual, político (enquanto ser), é um fascista encubado que floresce junto com seus desajustamentos. Só lhe resta, assim assim por tradição, ser chefe na fábrica do pai e por isso anseia vê-lo morto para ocupar o trono. Técnica empregada pelo autor de sintetizar todas as figuras lustrosas que passaram e passam a vida pregados numa parede giratória, a mandar, construindo ao redor de si um mundo imaginário. ----- Grande livro! O filósofo-existencialista alcançou todos os liames da vida humana. ----- Ainda SARTRE: "Existem dois tipos de ser: o ser para si (consciência) e o ser em si (fenômeno).

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NOTA DO AUTOR:

CASTOR - roedor europeu semi-aquático, gestação de 107 dias.

FONTE:

"A palavra era a sua arma", artigo de LUCIENE SAMÔR - BH, SLMG, ano XVIII, n. 865, 30/4/83.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 14/12/2019
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