Diário de Bordo (A frieza nossa de cada dia)

Diário de Bordo (A frieza nossa de cada dia.)

Estava eu descansando numa sombra próximo à praça central de Olivença, logo depois de chegar da minha caminhada pelas trilhas da Pedra Branca, sentado num convidativo tronco de árvore e colocando em dias os muitos assuntos, antes de empreender o caminho de volta para a Fazenda Cururupitanga.

Passava um me cumprimentava, outra me dava um alegre "Bom dia, João" ao me reconhecer, pois aqui nem dos periquitos eu consiga passar despercebido.

No meio dessa chuva de cumprimentos, para uma bike à minha frente, e um cidadão resfolegante de subir a dura ladeira da avenida calçada de paralepipedos que vem desde a praia, me dirige a palavra, entre querendo recuperar o fôlego e, provavelmente, curioso por me ver operar um tablet tão tranquilamente em plena praça.

Depois das amenidades de praxe, perguntei ao pacato cidadão de onde ele vinha pedalando, para avaliar o desgaste que nele estava bem explícito.

"Desde Ilhéus.", disse-me ele.

Aproveitei pra tirar uma casquinada, pra não sair muito barato, claro, dizendo ao recem-chegado que eu subia aquela ladeira sem tanto sofrimento, e que distâncias bem mais longas eram habituais para mim.

No decorrer de nossa conversa, fiquei sabendo que o meu interlocutor é um bancário aposentado, tem 69 anos e mora sozinho...

Ao saber que ele é apenas um mês mais velho do que eu, pratica um esporte que exige um esforço físico razoável como a pedalada, e demonstrava boa cultura geral, eu conduzi a conversa para saber como andava o desempenho físico do personagem que eu tinha diante de mim: um homem branco, com altura por volta de 1,80 m, e um pouco acima do peso, com o abdômen bem flácido.

Falamos de alimentação, e ele me disse que comia muito, pois a ansiedade o empurrava para o exagero alimentar...

"Eu sei que não devo comer tanto. Mas não consigo resistir..."

Fiz as minhas tradicionais admoestações a respeito do excesso de comida, disse-lhe que nem era adequado ele pedalar naquele calor, pois sua forma física não estava boa, e, en passant, perguntei a quantas andava o seu desempenho, e como ele encaminhava as suas relacoes afetivas.

A partir desse questionamento que eu fiz, colocando pra ele a minha condição de terapeuta e conhecedor razoável do poder energético e curativo das plantas, fui eu que recebi uma aula sobre distanciamento pessoal, Viagra e Cialis.

"Quando eu preciso pegar uma mulher, eu tomo o Cialis, três horas antes, e todo o processo se desenrola super bem."

De quebra, o típico cidadão da civilização ainda premiou os meus ouvidos com uma copiosa descrição dos cuidados que tinha para não criar qualquer vínculo afetivo, pois queria apenas "usar" (foi esse o termo que ele verbalizou, para meu espanto!) no momento em que se sentia precisado.

Tentei explicar para o cidadão que o uso de estimulantes sintéticos apenas mascaram uma decadência física natural, e que a prevenção e uma vida com melhor alimentação e posicionamento no mundo trariam resultados muito melhores.

"Isso é pra quem tem parceira fixa. Eu quero só para aquele dia, por isso Cialis pra mim é muito melhor."

Como percebi que toda a minha argumentação sobre respeito ao ser humano e valorização da vida cairia num redundante vazio, optei por recolher dados outros do pacato cidadao que tinha diante dos meus olhos, e fui deixando a interlocução morrer no cais de um até logo e nunca mais..

(...)

A ladeira do Tororomba me conforto desse encontro gélido, e por ela me conduzi ao conforto e segurança das terras encantadas de Pasárgada.

Olivença, Sexta-feira de meados de Dezembro de 2019

João Bosco

Aprendiz de Poeta
Enviado por Aprendiz de Poeta em 14/12/2019
Código do texto: T6818630
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