DRUMMOND - LEMBRANDO O ONTEM... - PARTE II

3---.........Enfim, uma coisa diferente das composições da vida cotidiana, como a lua quando resolvemos que ela exercia um papel de grande relevo na economia de nossos casos sentimentais, pelo que resolvemos homenageá-la com um poema caprichado. Viagem, lua, garota, poema, tudo isso, quando se está ainda na idade canônica. (...) Estou curtindo a sua palavra gasosa, com uma leve suspeita de harpa".

4---"CARLOS, seus amigos estão tramando um jantar em sua honra, Você cometeu a imprudência de escrever m livro e eles, coitados, desculparam esse assanhamento e quiseram sepultar entre virtualhas o remorso que talvez chegar a brotar em sua alma de pecador. CARLOS, você é um sujeito feliz. /CDA em êxtase: "Não enxerguei ironia na sua voz mansueta. E daí, um anjo tem obrigação de não ser irônico, pois do contrário era uma vez o paraíso"./ ----- Você é um sujeito feliz, CARLOS. Já é a segunda vez que os seus amigos deliberam jantá-lo. Da primeira vez, a bondade encontrou pretexto na sua mudança para outra cidade, mas seis meses depois você reapareceria no local do crime e o amigos não reclamaram. (...) Há uma intensa poesia neste festim antropofágico, enquanto no seu livro há apenas a poesia de quem o lê. Poeta, estou percebendo em seu rosto os estigmas evidentes do que na linguagem transeunte se chama emoção; você procura disfarçar, receoso (...) Dê um mergulho ma memória e procure, entre as imagens desbotadas dos seus 14 anos e rapazinho candidato ao lugar de sócio efetivo e contribuinte do Grêmio Dramático e Literário Artur de Azevedo, de sua terra natal. Idade insuficiente, mudaram os estatutos (...) aos 14, parece que tudo é permitido, desde a declaração de amor insolúvel até o derrame verborrágico inconsequente e pacificador. ----- Seu CARLOS, a poesia dos anjos é incomunicável e participa da divindade.Não me peça ideias e sugestões. Nosso representante na terra, abade Brémond, descobriu algumas leis que regem a poesia pura e que nós, isentos de todo arrepio humano, consideramos apenas um murmúrio escuro e confuso na noite. Nossa inesgotável manhã, ausência de dimensões e fluidez não são representados em linguagem nem por Paul Valéry - não é a linguagem dos anjos. ----- O abade sutil insinua que "a poesia é silêncio, como na mística; grande número de poetas fala ou pelo menos gagueja, como grande número de místicos", porém a sua melhor palavra é que a poesia nunca tem nada a dizer, e nunca diz nada. E se acaso insere na matéria poética um elemento que pareça assunto, informação, conceito, esse elemento que prosa, contaminará irremediavelmente a poesia. (...) Mas tudo isso ainda está longe da verdadeira poesia. (...) De Rimbaud, nos seus momentos de lancinante poesia, alguém disse que andava "à busca de um clima de inocência". (...) Um outro teorista pervertido da poesia pura tenta defini-la como a alquimia da inteligência e da sensualidade. /O anjo fez outra pausa, como no teatro, para os personagens fumarem um cigarrinho, não fumou, concluiu com gesto cândido./ Ponha poesia pura no seu agradecimento. Ponha silêncio. Não diga nada e seus amigos compreenderão e gostarão".

5---"Meus amigos, eu queria agradecer-vos com um longo, largo, afetuoso silêncio. Calado no meio de vós, um pensamento de carinho a cada um, e contente, sem vaidade, modéstia, coisa alguma, a não ser o meu contentamento, mas vejo que isso é difícil - a extrema bondade pode coincidir com a extrema finura de espírito, fazem-me desatar a língua para confessar que, assim, não há ninguém que resista. E a minha vontade, contrariando aquele anjo, que tanto podia ser o anjo da guarda como anjo das conveniências, falar muito, o resto da noite e romper o dia repetindo com sinceridade: muito obrigado."

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FONTE:

"Cinquentenário da poesia", artigo de Gutemberg da Mota e Silva - Rio, Jornal do Brasil, 18/3/82.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 13/12/2019
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