O bairro das Palmeiras e a história imperial
(Crônica XXVII)
Por Erick Bernardes
Ele vendia couve manteiga, bertalha e caruru azedo na feira de Alcântara. Sorriso atenuado devido à ausência dos dois incisivos superiores, o senhor Ferdinando apregoava seus produtos com certos versinhos sem graça. "Tem 'bertaia' e caruru pra poder rimar proibido". E o coroa ria, e ria com vontade, apesar da falta dos incisivos de cima e a ponta da língua saliente. Conotação erótica na propaganda, obviamente, rimar com caruru, o leitor já sabe. Daí comentei:
— Meu senhor, assim você não vende verdura. Óbvio que não. Isso afasta os clientes. Nem todos trazem nas veias o dom da gozação. Não faça isso.
Pois é, nada do verdureiro parar de rir. Rima subentendida. Um raciocínio simples entenderia o suposto final "u" da frase. No meio da minha compra dos maços de verduras frescas, o senhor Ferdinando confidenciou ser morador do bairro das Palmeiras. Pois é, mas então chegou minha vez de brincar: "Se você mora nas Palmeiras é então papagaio ou periquito", gargalhei. E foi aí que a história do bairro surgiu na conversa pelas palavras do próprio morador.
— Sabe, freguês, meu "vô" era cheio de contação de história. Falava dessas palmeiras mesmo. Contava que, na época de muito antigamente, Dom Pedro aparecia por lá antes de subir na direção da casa de Petrópolis. Esse Imperador do Brasil namorava duas caboclas faceiras moradoras dos barracos que viraram ruínas no caminho dos cachaceiros. Estradinha de pedra. Lugar de passagem. Dom Pedro descia do barco, dormia escondido com as moças bonitas e, dias seguintes, entrava na carruagem que esperava ele perto da velha Fazenda Quintanilha. Sim. Isso acontecia lá por trás do Morro de Itaúna, onde eu pego verdura pra vender. Meu "vô" contava muito essa história.
Curioso o fato da tal narrativa bater com certos escritos documentais antigos. Estaria mesmo me deparando com uma importante fonte oral sobre o lugar conhecido por Palmeiras? Bem, certo é que me pus a escutar sentado. E assim me interessei pela história proferida pelo feirante, claro.
— E as tais Palmeiras Imperiais? Ouvi dizer que existe uma lenda sobre isso.
— Que lenda que nada, meu freguês. Pura e simples verdade. Qualquer livro de história de escola fala. Só a Família de Dom Pedro podia plantar as famosas Palmeiras Imperiais. Estudei na escola sobre isso. A professora da Eja explicou. Mas o pai do meu pai contava isso também. Preciso dizer o motivo do bairro Palmeiras ter esse nome? Claro que não, né! Uma palmeira de cada lado, alturas enormes iguais aos portais gigantes da Igreja crente de Alcântara.
Bem, depois de tanta informação espontânea, desnecessário comentar que a conversa me empolgou. Gravei quase tudo com o celular. Interessante relato, importantíssimo. Perguntei se podia voltar na semana seguinte, só pra escutar mais sobre o bairro das Palmeiras. Meu narrador verdureiro fez que sim. Indaguei:
— Como procuro o senhor se, por acaso, sua banca de verdura mudar de lugar?
— Pergunte onde se encontra o Ferdinando Pinto. Procure por seu Pinto, facinho de achar. Seu Pinto sou eu.
E, assim, o velho gargalhou de perder o fôlego, findou a história tal qual começou: erotizou. Isso mesmo, fez graça com as palavras, amorteceu as durezas da vida. Sabe-se Deus, se conseguiu de fato levar alguns tostões pra casa com a venda das hortaliças. Pois é, ele não nasceu em berço de ouro. Talvez desse jeito nosso verdureiro seja mais feliz.