Os Brutos Também Amam
Se todo lado tem dois lados e cada um desses lados têm, respectivamente, dois outros lados, de que lado nós estamos afinal de contas? Poderíamos supor como referência dessa coordenada de pegada ideológica o careca da esquina, uma árvore secular, uma casa ou até mesmo um pontinho no meio do oceano. Assim, imaginaríamos estar alinhados mais à esquerda ou à direita... Mas de quem ou do quê, cara pálida?!
Porque, pra começar, o careca anda, anda, anda... e morre — e será enterrado longe daquela esquina; a árvore cresce e se contorce... e morre ou vira banco de igreja, caixão de anão, tamborete de brega, cabo de vassoura, parede do barraco de algum favelado...; a casa pode dar lugar a um viaduto de sentido único, passeio público ou ser engolida pelas entranhas da Terra em um surpreendente abalo sísmico que ultrapasse os dez pontos da escala Richter com o Fantástico cobrindo tudo em primeira mão; o oceano não tem meio, não tem início e portanto não tem fim. Nesse caso, ele é, com o perdão desse neologismo, inlocalizável.
O mundo é, pois, vário: em termos agrícolas, por exemplo, nem cobra sobrevive na monocultura. Na prática, não existe nada em apenas duas dimensões. Não há experiência ruim, há experiências. Pra se viver bem não existe a famosa receita de bolo. Conclui-se, portanto, que mais do que de teses de esquerda ou de direita, precisamos de urgentemente praticar humanidades.
No livro A Revolução dos Bichos, de George Orwell, fábula que satiriza a polarização de poder nos tempos da Guerra Fria, deparamo-nos com a seguinte pérola: “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros” — do ponto de vista do que foi abordado nesse livro, essa frase é genial. Alguns indivíduos da sociedade contemporânea, entretanto, precisariam tê-lo desenhado na cabeceira da cama para ajuda-los a perceber que, atualmente com as redes sociais, qualquer pirralha pode praticar uma boa ação e que, ainda mais fácil, qualquer imbecil pode ser uma má representação para a sociedade.